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Como, porém, o arremedo se lhe fundia perfeitamente com o temperamento e correspondia em suma aos seus mais íntimos instintos poéticos, não resultou em disparate conforme com mais de um tem acontecido. Da combinação das próprias tendências com a imitação literária, criou-se uma vida factícia. Presumiu transplantar para a mesquinha vida de S. Paulo de meados do século passado, costumes e práticas do Romantismo europeu. Quis praticar as façanhas sentimentais dos heróis de Musset e Byron. A candura com que o fez não só o salvou de um ridículo naufrágio, mas atéacute; o engrandeceu, criando-lhe a feição que o distinguiria na poesia brasileira e o faria um dos seus dominadores. Daquele seu teor da vida romântica, a expressão literária é a Noite na taverna, composição singular, extravagante, mas acaso na mais vigorosa, colorida e nervosa prosa que aqui se escreveu nesse tempo.

Mostrava-se Álvares de Azevedo poeta pessoal e subjetivo, como não fora talvez nenhum dos nossos antes dele e raros o seriam depois. Impressões da natureza ou de arte não lograva nunca objetivá-las. Transfundiam-se-lhe naturalmente em íntimas sensações, por via de regra dolorosas. É, neste período, o primeiro que quase unicamente canta de amor, que fica alheio à natureza que o cerca ou à nação a que pertence. Só lhe interessa a mulher, «o eterno feminino» de que foi talvez o primeiro a ter aqui o sentimento à maneira goetiana, e que o absorve e alucina. Não é fácil distinguir o que é nele inspiração e sensibilidade poética do que são instintos e impulsos sensuais de moço brasileiro, superexcitado pela tísica que o minava. Eram raros nele os temas objetivos vulgares em Magalhães, Porto Alegre e Gonçalves Dias e menos os temas retóricos ou adequados às amplificações poéticas, tão ao gosto destes, inclusive o último. Quando casualmente os tratava, ou incidentemente lhe acudiam, envolvia-os com o seu sentimentalismo romântico, preocupações femininas ou amorosas, em imagens, pensamentos e sensações.