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morte, máxime se são poetas, acontece recolherem-se em si mesmos e viverem de uma vida interior. Álvares de Azevedo, valetudinário precoce, foi levado a viver essa vida, apesar das alegrias da idade que lhe resumam em mais de um poema faceto ou humorístico. Alegrias e tristezas chocam-se-lhe na alma jovem, ardente e ambiciosa, produzindo a ironia por vezes amarga de alguns dos seus poemas (O poema do Frade, Um cadáver de poeta, Idéias íntimas, Boêmios, Spleen e charutos) os gritos de descrença e desesperança desses e de outros e de prosas como a Noite na taverna. Dessa ironia é ele o único exemplar na nossa poesia, como seria o instituidor nela dessa desesperação e descrença. De tal estado d'alma lhe veio, com o nímio subjetivismo, o sentimento ora acerbo, ora zombeteiro, da vida, e a carência ou a pobreza de impressões da natureza ou da sociedade na sua poesia. Destas últimas apenas se lhe achará um exemplo claro no único poema objetivo que deixou, Pedro Ivo, aliás um dos mais admiráveis da nossa poesia, dos raros em que o motivo político ou social da inspiração não sufoca ou amesquinha os elementos propriamente poéticos, antes lhes serve excelentemente à expressão. É que no poema de Álvares de Azevedo predominou o mesmo objeto da sua inspiração, a sua íntima emoção mais de poeta que de repúblico.

Entre estes poetas foi Álvares de Azevedo um dos espíritos literariamente mais cultos. Conheceu as obras-primas das melhores literaturas na sua língua original, e tinha boa lição das letras-mães da nossa. Havia atilamento e bom gosto no seu espírito crítico, apenas iludido pelo seu entusiasmo juvenil. Conhecia e amava os portugueses, e foi um dos que sofreu a influência de Garrett, a quem tinha alta e merecida estima. Do influxo do lirismo e da forma garretiana há talvez sinais em seus poemas Ai Jesus!, o poeta, amor e poucos mais. É porém uma influência toda lateral, digamos assim, em que o poeta brasileiro, ainda sofrendo-a, conserva a sua personalidade. Nem ela obrou então aqui com a mesma generalidade ou força,