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— Deus te ouça, minha filha.

— Meu pai!

E Emília dirigiu-se para o leito do enfermo, que lhe beijou as mãos de agradecido.

Esta cena repetiu-se ainda algumas vezes durante as crises da enfermidade de Vicente.

À força de cuidados e de remédios Vicente pôde melhorar, e tão a olhos vistos, que um dia de manhã Emília, ao levantar-se e ao ver a fisionomia do doente, julgou que se tivesse operado um milagre.

Vicente melhorou e ficou restabelecido. O médico proibiu-lhe expressamente que voltasse tão cedo ao trabalho.

— Mas como passaremos nós? perguntou Vicente a Emília quando esta lhe comunicou as determinações do médico.

— Trabalharei eu, e com o mais que há iremos passando...

— Mas tu, trabalhares sozinha? Isso não pode ser.

— Tanto pode, que há de ser...

— Mas... Enfim, lá diz o rifão que Deus dá o frio conforme a roupa. Podia ser pior, e eu ficava aí perdido de uma vez.

— Não podia ser pior, meu pai.

— Por quê?

— Porque eu pedi à minha madrinha...

A madrinha era a mãe de Deus. Esta devoção tão cândida e tão sincera fez sorrir de contentamento ao hortelão.

— Pedi-lhe a sua saúde, meu pai, e bem vê que ela me ouviu.

— Dize-me cá, Emília, se eu morresse que farias tu?

— Morria também... Não me seria possível sobreviver-lhe. Que me restava mais neste mundo? Não é meu pai o único fio que me prende à vida?

— Pobre filha!

Esta exclamação pintava toda a situação daquelas duas criaturas, situação dolorosa e admirável, em que a vida de uma dependia da de outra, sem outra solução possível, visto que a morte de uma tirava à outra toda a esperança de felicidade e de paz.

E o que era esta moléstia de Vicente? Que resultado teria no futuro daquela família? A ruína. O pecúlio feito à custa de tantas economias, de tantos trabalhos, de tantas misérias, fora absorvido com a moléstia de Vicente. Dora em diante deviam começar de novo a ajuntar o patrimônio do futuro, que era a segurança da honra e da paz.

E aqueles dois Sísifos olhavam-se rindo, contentes de si e de Deus, sem repararem nas atribulações e nas fadigas por que deviam passar de novo.