Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/141

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mais escuro do aposento, coberto de tres altos de pó—­o que está naquella arca?”

O thesoureiro-mór hesitou um momento, e depois balbuciou estas palavras:

“Nada ... ou para falar verdade... quasi nada. Bem sabeis que d’antes eu alli guardava algumas mealhas que me sobejavam da minha quantia, mas ha muito que nem essas poucas mealhas me restam.”

“Vejamos, todavia:—­tornou D. Leonor, cujo aspecto se carregava.

“Misericordia!—­bradou D. Judas com indizivel agonia. Mas reportando-se, por um destes arrojos que inspiram os grandes perigos, procurou disfarçar o seu susto, continuando com um riso contrafeito:

“Misericordia, digo; porque fôra mais facil achar entre os amotinados do rocío um homem leal a seu rei, do que eu lembrar-me agora do logar onde terei a chave de uma arca ha tanto tempo inutil e vazia.”

“Perro infiel! eu te vou recordar quem póde dizer onde as havemos de achar.”

“Estaes hoje, mui excellente senhora, merencoria e irosa:—­replicou o thesoureiro-mór, trabalhando por dar ás suas palavras o tom da galantaria, mas visivelmente cada vez mais enfiado e trémulo,—­Assim chamaes perro infiel