Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/142

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ao vosso leal servidor, por causa d’uma chave inutil que se perdeu? Todavia, dizei quem sabe della, e eu a irei procurar.”

“Generoso e leal thesoureiro!—­interrompeu D. Leonor, imitando o tom das palavras do judeu, como quem gracejava—­não te dês a esse trabalho, por tua vida. Quem póde faze-la apparecer é um velho cão descrido, que mora na communa de Santarem. Eu sei de um remedio que lhe restituirá á lingua a presteza d’uma lingua de mancebo de vinte annos. O seu nome e Issachar. Conhéce-lo?”

“Alta e poderosa senhora, vós falaes de meu pobre pae!—­respondeu o thesoureiro-mór, redobrando-lbe a pallidez.—­Mas tractemos agora do que importa. Com mil e quinhentas dobras pé-terra e trezentas barbudas, que eu disse a meu senhor el-rei estarem prestes...”

D. Leonor lançou para o judeu um olhar d’escarneo, e proseguiu:

“Do que importa é que eu tracto. Sabes tu, meu querido D. Judas, que sejam as tuas dobras mil, ou mil e quinhentas, ámanhan a estas horas eu D. Leonor Telles, a rainha de Portugal, estarei em Santarem? Ouviste já dizer que, em não sei qual das torres do alcacer, ha um excellente potro capaz de desconjuntar n’um instante os membros do mais robusto villão?