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Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/146

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Judas. Levantou-se, tornou a contar os dois mil maravedis: desconfiou de que havia engano, e que eram dois mil e um: tornou-os a contar, e quando elrei entrou no aposento, já prestes para cavalgar, tinha o bom do judeu obtido a certeza de que não dava uma pogeia de mais da somma que lhe fôra requerida em nome do potro da torre de Santarem. [1]

  1. Aquelles que não conhecerem as opiniões, estado de civilisação, e costumes da idade média, medirão o thesoureiro-mór D. Judas por um ministro de fazenda moderno, como, se não nos engana a memoria, lhe chama com uma ignorancia deliciosa o marquez de Pombal em uma lei sobre os christãos-novos, e acharão inverosimil a scena antecedente, posto que esteja bem longe d’isso. A falta de christãos habilitados para tractarem materias de fazenda publica, obrigou os reis portuguezes a despresarem a lei das côrtes de 1211, que os inhibia de empregarem judeus no seu serviço. Mas esta necessidade não podia destruir o profundo desprezo em que se tinha esta raça, olhada como abominavel em consequencia das convicções politicas e religiosas daquelles tempos, despreso que em grande parte assentava em bons fundamentos. A idéa que se fazia de um judeu na idade média acha-se expressa na lei 23.ª daquellas côrtes, e pinta melhor o pensar dessas eras a similhante respeito do que tudo quanto podessemos aqui escrever. “Os quaes judeus (diz o legislador) assy como testemunho da morte de Jesu-Christo devem a seer defesus, solamente porque som homeês.” Juncte-se a isto o caracter cruel, hypocrita e cubiçoso de D. Leonor Telles, tão excellentemente pintado pelo grande poeta chronista Fernão Lopes, e poder-se-ha então avaliar devidamente a verosimilhança desta scena de imaginação no meio de outras scenas da vida real desses tempos.