Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/311

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cuberto de todas as peças, e ao galgar o ginete pelo outeiro abaixo, tinha descido a viseira.

“Benedicite!—­dizia elrei, batendo devagarinho á porta da cella de Fr. Lourenço.

“Pax vobis, domine!—­respondeu o prior que logo conheceu elrei, e veio abrir a porta.

“Não vos incommodeis, reverendissimo—­disse D. João, entrando na cella, e sentando-se em um tamborete.—­Deixae-me resfolegar um pouco, e dae-me uma vez de vinho.”

“Não vos esperava tão de salto;—­tornou Fr. Lourenço: e abrindo um armario, tirou delle uma borrácha e um cangirão de madeira, que encheu de vinho, e pegando com a esquerda em uma escudela de barro de Estremoz [1] cheia de uma especie de bolo feito de mel, ovos, e flor de farinha, apresentou a elrei aquella collação.

“Excellente almoço:—­dizia elrei, descalçando o guante ferrado, e cravando a espaços os dedos dentro da escudela, d’onde tirava bocados do bolo, que ajudava com alentados beijos dados no cangirão. Depois que cessou de

  1. A louça de Estremoz é antiquissima em o nosso paiz. No tempo de Francisco I de França, mandavam-se buscar os pucaros desta louça a Portugal, para beber a agua, que então, bem como hoje, se tornava nelles excessivamente fria.