Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/155

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a penitencia em quanto a filha se desobrigava.

Ao sol posto desse mesmo dia o prior espairecia a vista pela veiga coberta de verdura, assentado no cruzeiro, segundo o seu costume. A brisa da tarde era fria e aguda, porque a primavera começava apenas; mas o velho parocho parecia não a sentir, embebido em cogitações; e tão fundas íam estas, que, em vez de traçar na terra com a bengala as usuaes figuras geometricas, ou anti-geometricas, conservava-a immovel e perpendicular, com as mãos cruzadas sobre o castão, firmando a barba em cima. Conhecia-se-lhe no olhar e no mecher tremulo dos beiços, que algum grande cuidado o inquietava. E tanto assim, que nem reparou nos tres signaes das ave-marias, deixando-se ficar sentado, e até, oh profanação! com o chapeu na cabeça. Felizmente não passava ninguem naquelle momento, que podesse notar a involuntaria irreverencia do distrahido pastor.

Mas um vulto assomou lá ao longe, e os olhos do velho brilharam como animados por vida nova. Quem quer que era descia do monte, e vinha para a banda do rio. O caminho passava perto do adro: o prior ergueu-se, estendendo a mão, e brandindo a bengala na direcção do vulto.