Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/169

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cujos olhos brilharam com o fulgor devorante da avareza ao vêr rolar as peças, que o prior tivera a cautela de desembrulhar sobre a grande arca das maquias. O velho parocho usava de uma esperteza de Satanás para fazer uma obra de Deus.

E, despedindo-se de Bartholomeu, saíu. O moleiro ficou em pé e immovel. Estava, mal comparado, como o asno de Buridan entre as duas medidas iguaes de cevada: nem se podia affastar do ouro, nem ousava faltar á cortezia devida ao padre prior. A final, por um movimento sublime de energia moral, correu pela porta fóra atrás delle, que já ía a certa distancia. Neste correr parecia-lhe sentir estalar o que quer que era dentro do coração.

“Se vossenhoria é servido do nosso almoço”—­bradava o moleiro”—­não tarda ahi um credo. Pobre, mas de boamente.”

“Obrigado! obrigado!”—­respondeu o prior sem se voltar, brandindo para trás a bengala, como quem dizia adeus. E pensava lá comsigo:—­“Fóra, miseravel sovina!”

Apenas o bom do clerigo dobrára a quina, do muro de uma quinta, que se dilatava desde a encosta até a baixa do rio, truz!... Com quem havia d’elle dar de rosto? Com o Manuel da Ventosa, de espingarda ao hombro,