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attribuia os seus prodigios de valor a um ente imaginario, trespassar-lhe as duas feridas.

Tal era o homem de quem me haviam fallado, e a quem eu desejava conhecer e ter por amigo.

Em S. Gabriel soube que tinha ido tratar de alguns negocios a sessenta milhas de distancia. Montei então a cavallo para o procurar.

No caminho, na margem de um pequeno rio, encontrei um homem, com o peito nú lavando uma camisa — vi que era este o homem que procurava.

Dirigi-me a elle, estendi-lhe a mão e disse-lhe quem era.

Desde este momento fomos irmãos.

Já não estava na casa de commercio, e como eu havia entrado ao serviço da republica do Rio Grande. Era commandante de infanteria da divisão de João Antonio, um chefe republicano dos mais conhecidos. Como eu deixava o serviço e dirigia-se aos saltos.

Depois de um dia passado juntos, demos os nossos adresses respectivos e combinámos que não emprehenderiamos movimento algum importante sem o participarmos mutuamente.

Seja-me permittido narrar um facto que dá bem a conhecer a nossa miseria e a nossa fraternidade.

Achava-me tão pobre como Anzani em camisas, em quanto que elle tinha mais um par de calças.

Dormimos no mesmo quarto, mas Anzani partiu antes de romper o dia e sem se despedir.

Quando accordei encontrei sobre o meu leito o melhor dos seus dois pares de calças.

Conhecia apenas Anzani, mas era um d’esses homens que se apreciam á primeira vista, e tanto que quando entrei ao serviço da republica de Montevideo e fui encarregado de organisar a legião italiana, o meu primeiro cuidado foi escrever-lhe convidando-o a vir acompanhar-me.

Veiu com effeito e desde esse dia não nos deixamos mais, até que elle tocando na terra de Italia morreu entre os meus braços.