Página:Memórias de um Negro (1940).pdf/127

Wikisource, a biblioteca livre
MEMORIAS DE UM NEGRO
119

A renda insignificante da pensão não nos permittia formar capital sufficiente para organizar um internato em boas condições. No segundo anno escolar o inverno foi excessivamente rigoroso. Não dispunhamos de bastantes cobertores, durante algum tempo não tivemos lenha para fogo nos quartos e até colchões faltaram.

Muitas vezes não consegui adormecer durante aquelles grandes frios cortantes, pensando no soffrimento dos pobres rapazes. Erguia-me alta noite, ia visital-os nas suas cabanas, confortal-os. Muitos não podiam deitar-se: mal agasalhados, batiam os dentes, agachavam-se em redor do fogo para aquecer-se um pouco. Certa manhã, depois duma noite horrivelmente fria, pedi aos que se imaginavam gelados que levantassem um braço. Tres apenas foram capazes de mover-se. E não se queixavam. Sabendo que nos sacrificavamos por elles, não deixavam de perguntar se podiam, de alguma fórma, diminuir o trabalho dos mestres.

Têm-me dito repetidamente, homens do Norte e homens do Sul, que os negros não se conformam com a auctoridade dum negro. A esta affirmação respondo com um facto: nos dezenoves annos da minha carreira em Tuskegee nunca notei palavra descortez ou acto desrespeitoso de alumno ou de qualquer pessoa ligada ao serviço da escola. Pelo contrario: acanham-me as numerosas gentilezas