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MEMORIAS DE UM NEGRO
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cripta era duma ignorancia completa, mas desejava muito para os filhos, tinha um grosso bom senso que lhe permittia livrar-se honrosamente de situações embaraçosas. Se fiz na vida qualquer coisa util, certamente devo isto a aptidões herdadas de minha mãe.

Por essa epocha, emquanto me estafava para instruir-me, chegou a Malden um negro moço de Ohio que sabia ler. Quando perceberam isso, procuraram um jornal, e, no fim do trabalho diario, homens e mulheres impacientes de ouvir noticias cercavam o rapaz. Eu invejava esse moço, a criatura mais digna de ser invejada no mundo, a que devia estar mais contente com a sua sorte.

Começavam então a tratar duma escola para meninos negros, a primeira que se ia fundar naquella parte da Virginia, e toda a gente se interessou por esse acontecimento notavel. Difficil era achar um mestre. Pensaram no rapaz de Ohio, o que lia jornaes, mas esse ainda não tinha idade para o cargo. Nesse ponto correu que outro negro de Ohio, antigo soldado, regularmente instruido, vivia na cidade. Convidaram-no. E como a escola era particular, cada familia consentiu em pagar-lhe um tanto por mez e hospedal-o: o mestre ficaria com todas, dia aqui, dia ali. Não era mau negocio para elle, pois quando entrava numa casa, punham na mesa o que havia de melhor. Em nossa