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MEMORIAS DE UM NEGRO
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é claro. Os que apregoam a fraqueza moral do negro e comparam o desenvolvimento delle ao do branco não levam em conta a força das recordações que ha nas casas das familias antigas.

Já confessei que nunca soube quem era minha avó. Tive e tenho primos, tios e tias, mas não me seria facil dizer onde elles se acham. Aliás o que se dá commigo dá-se com centenas e milhares de negros em todos os cantos do paiz. Só o facto de saber que o infortunio constitue mancha nos annaes duma familia de muitas gerações basta para que o rapaz branco se comporte bem: atraz delle e em redor delle ha uma linhagem, historia, relações, que o enchem de orgulho e o estimulam a vencer todas as difficuldades.

Alem de me deixarem pouco tempo para a escola, obrigaram-me a faltas constantes. E até isso acabou logo: afastei-me da aula e dediquei-me inteiramente á usina. Voltei aos meus estudos nocturnos. Posso dizer que adquiri á noite, depois de trabalhar o dia inteiro, a maior parte do que sei. Ás vezes era bem difficil achar mestre que prestasse. Um que descobri me causou enorme decepção: percebi que elle não estava muito mais adiantado que eu. Aconteceu-me andar a pé varios kilometros para dar as minhas licções. Apesar de tudo, por triste e desalentadora que tenha sido essa phase da

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