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MEMORIAS DE UM NEGRO
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Muitas crianças, e das menores, eram obrigadas a passar grande parte da vida nas minas de carvão, longe de qualquer especie de estudo. Penso que ainda hoje isto acontece, coisa triste, pois tenho muitas vezes notado que, em geral, os rapazes que ali se criam são physica e mentalmente atrophiados. Não desejam sahir, não têm nenhuma ambição.

Nesse tempo, e mais tarde, ás vezes me entretinha conjecturando os sentimentos e as aspirações dum rapaz branco absolutamente livre nos seus desejos, capaz de exercer uma actividade enorme. Invejava esse homem que desconhecia obstaculos, podia tornar-se deputado, bispo, governador ou presidente da republica, por ter nascido branco, e tentava imaginar de que modo me comportaria em circumstancias analogas. Via-me no pé da escada e ia subindo, subindo sempre, até o ultimo degrau.

A inveja dos meus annos de mocidade já não existe: aprendi que o exito não se deve medir pela posição que um sujeito alcança na vida, mas pelas difficuldades que precisa vencer para triumphar. Assim, não hesito em declarar que, praticamente, a impopularidade da sua raça deu ao negro vantagens inestimaveis. Por via de regra o homem de côr é obrigado a consumir-se, a esmerar-se no que faz, para que o seu trabalho seja acceito; mas nessa lucta desigual e encarniçada ganha força e confian-