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MEMORIAS DE UM NEGRO
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a attenção de alguem para a falta de botões num casaco, para manchas de gordura em roupa ou soalho.

O receio que a sra. Ruffner me inspirava transformou-se em confiança, e afinal considerei-a uma das minhas melhores amigas. Quando percebeu que podia fiar-se em mim, foi uma excellente pessoa. Nos dois invernos que passei em casa della obtive permissão para ir á escola uma hora por dia, durante alguns mezes. Fiz, porém, a maior parte dos meus estudos á noite, sózinho ou auxiliado por mestres eventuaes. A sra. Ruffner interessou-se por mim e approvou, com bordade, os esforços que eu fazia para instruir-me. Em casa della organizei a minha primeira bibliotheca. Arranjei um caixão, tirei-lhe um dos lados, preguei umas taboas dentro e ahi reuni todos os livros que me cahiram nas mãos. Era minha bibliotheca.

Apesar dessas vantagens, não abandonei a idéa de entrar no instituto de Hampton. No outomno de 1872 resolvi esforçar-me para chegar lá, embora ignorasse a direcção que devia seguir e os gastos que a viagem acarretaria. Só minha mãe apoiava a minha ambição, e ella propria, coitada, andava inquieta, receava que me lançasse numa aventura perigosa. Em todo o caso concordou comigo. Meu padrasto e o resto da familia tinham consumido o pouco dinheiro que eu havia ganho, deixando-me apenas alguns dollars, insufficientes para roupas e