Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/102

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já muita vez, nos teus segredinhos com o Câmara?... Quererás convencer-me de que não sabes que ele te faz a corte?

— E que tem que saiba?... Aceito-lha porventura?
— Pelo menos, não o ouves a sangue-frio. As palavras de um indiferente não nos chamam o sangue às faces, não nos encrespam os lábios, não nos ensopam a pupila num delíquio terno... Ah! Que eu hoje não estive longe de fazer um escândalo!... Chegar-me ao pé de vocês, arrancar-te dali para fora... e a ele, dar-lhe com uma luva, insultá-lo, cuspir-lhe na cara... eu sei!
— Que ganhavas com isso?... Desafiava-te... E a ele não lhe havia de dar grande cuidado. Joga bem todas as armas.

Faiscou um relâmpago no espírito do barão. Agora se revelara, neste dito inconsiderado, a perversão moral da esposa. A ideia do duelo preocupava-a... pela sorte do amante. — Jogava bem as armas, não tinha dúvida...

— Queriam mais sincera a impudência?... O desgosto, o ciúme, a ira, o tédio estrangularam-lhe a voz. Nada contestou.

Já a carruagem costeava a Praça da Figueira, rolando sobre o basalto com uma sonoridade branda e macia de molas caras. Depois o rodar apagou-se no macadame da Rua da Madalena, e presto os dois esposos apeavam-se à porta do seu palacete no Largo de S. Cristóvão. Subiram silenciosos a escada, e silenciosos se dirigiram para os quartos interiores, ambos sob a vigilância do pequenino olho escoldrinhador da Doroteia, a adivinhar e a reconstituir a cena com delícia.