— Nunca li nada que me tocasse tanto! — E innovelou-se toda na cabeceira da chaise-longue, uma das pernas dobrada, colhida graciosamente sôb o tronco, n’um gesto friorento de avesita; as mãos sobre o regaço, preguiçosas, deixando os dedos jogar com os anneis distrahidamente; e as pupillas traçando n’um vaivem rapido o parallelismo das linhas que iam devorando no livro, poisado sobre uma mesinha baixa de xarão.
— Sabes tu quem eu vi?... — tornou o barão, querendo armar conversa. — Os Paradellas.
Porém a baroneza, cortando logo:
— Sim, sim, mas deixa-me ler.
O gaz estava apagado. Apenas allumiava a salêta um alto candieiro de bomba, de bronze esmaltado, estylo byzantino, com o globo fôsco vestido por um pára-luz tenuissimo de papel japão. Estava sobre a mesinha, junto ao livro, vertendo em torno um cóne muito restricto de luz. O maior do aposento, — aquarellas, chinezices, faianças ornando as paredes; photografias, revistas illustradas, albuns, quinquilharias galantes abarbando os consólos, as estantes polidas a negro, o contador embrechado; moveis esparsos n’uma desordem estudada, o piano, flôres, porcelanas caras, — mergulhava tudo discretamente na penumbra, tinha os contornos adormecidos n’um claro-escuro de pacificação e castidade. Só áquelle cantinho môrno e preferido, entre o biombo e a parede, na incidencia proxima do candieiro, realçavam, n’uma claridade repoisada e honesta de interior de Gerard Dov ou de Van Eyck, um trecho da alcatifa, curvo como um crescente, o espelhamento opalino d’um velho prato suspenso da parede, um ou outro avoejo exotico de laca e oiro no ver-