E o sonso do Alípio Vieira, que se escoara para um vão de janela com a inconsolável D. Plácida, comentou entre dentes:
- — Cada vez mais «pãozinho»!
D. Leonor tinha-se aproximado do piano com D. Aurélia. A esquirolenta menina ia cantar. Compôs na estante a música, pigarrou, trocou duas palavras de combinação com D. Leonor, que era quem ia acompanhar, passou o lenço pela boca, e desfiou então chorosamente uma romanza sentimental, em que o histerismo plangente da amante abandonada lamuriava no rosário habitual de notas mugidas com ênfase, e vibrava nos trilos consagrados invariavelmente para o fecho das cadências. A transparente criatura gemia todo aquele idealismo obsceno compenetradamente, como se a heroína do caso fosse ela, cujos tristes 22 anos sangravam feridos de amaríssimas desilusões de amor. A sua voz aguda de soprano tinha acentos da mais pungente eloquência, e as notas saíam-lhe da laringe, que um excesso de salivação empenava, como que engrossadas de lágrimas, ásperas, molhadas.
A mãe, a Sra. Reodades, sentada mesmo ao lado do piano, bojuda e enorme, revia-se na filha e ia marcando o compasso com a cabeça, enquanto uma deliciosa mímica de aplauso lhe dançava no rosto cor de cera derretida. Inácio Miguéis, em pé ao meio da casa, radioso, gordachudo, as mãos sustendo o abdómen, cerrava os olhos gulosamente numa beatitude alvar. O estudantinho da Politécnica, lascivo té ao casco, crivava a D. Julita com olhares suplicantes. Os outros ouviam numa complacência indiferente.