Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/356

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sofra necessidades... Eu bem sei que é um malvado, mas... É como um espinho cá por dentro. Tira-me toda a alegria.

O padre Amaro disse-lhe então, com muita bondade, mostrando-se superior à injúria, num alto espirito de caridade cristã:

— Minha rica filha, são tolices... O homem não morre de fome. Ninguém morre de fome em Portugal. É novo, tem saúde, não é tolo, há-de- se arranjar... Não pense nisso... Aquilo é palavreado do padre Natário... O rapaz naturalmente sai de Leiria, não tomamos a ouvir falar dele... E em toda a parte há-de ganhar a vida... Eu por mim perdoei-lhe, e Deus há-de tomar isso em conta...

Estas palavras tão generosas, ditas baixo, com um olhar amante, tranquilizaram-na inteiramente. A clemência, a caridade do senhor pároco pareceram-lhe melhores que tudo o que ouvira ou lera de santos e de monges piedosos.

Depois do chá, ao quino, ficou junto dele. Uma alegria plena e suave penetrava-a deliciosamente. Tudo o que até aí a importunara e a assustara, João Eduardo, o casamento, os deveres, desaparecera enfim da sua vida: o rapaz iria para longe, empregar-se - e o senhor pároco ali estava, todo dela, todo apaixonado! Por vezes, por baixo da mesa, os seus joelhos tocavam-se, a tremer; num momento em que todos faziam um alarido indignado contra Artur Couceiro que pela terceira vez quinara e brandia o cartão triunfante, foram as mãos que se encontraram, se acariciaram; um pequeno suspiro simultâneo, perdido na gralhada das velhas, ergueu o peito