A Sra. D. Ana Gansoso dormitava ao seu canto, ressonando ligeiramente.
Com o abajur as cabeças estavam na penumbra; e a luz crua, caindo sobre o xale escuro que cobria a mesa, fazia destacar os cartões enegrecidos do uso, e as mãos secas das velhas, pousadas em atitudes aduncas, remexendo as marcas de vidro. Sobre o piano aberto a vela derretia-se com uma chama alta e direita.
O cônego rosnava os números com as pilhérias veneráveis da tradição: 1, cabeça de porco! — 3, figura de entremês!
— Precisa-se o vinte e um, dizia uma voz.
— Temei — murmurava outra com gozo.
E a irmã do cônego, sôfrega:
— Chocalhe esses números, mano Plácido! Vá!
— E traga-me esse quarenta e sete ainda que seja de rastos, dizia o Artur Couceiro, com a cabeça entre os punhos.
Enfim o cônego quinou. E Amélia olhando em redor pela sala:
— Então não joga, Sr. João Eduardo? disse ela. Onde está?
João Eduardo saiu da sombra da janela, por trás da cortina.
— Tome lá este cartão, ande, jogue.
— E receba as entradas, já que está de pé, disse a S. Joaneira. Seja o senhor recebedor!
João Eduardo foi em roda com o pires de porcelana. No fim faltavam dez réis.
— Eu já dei, eu já dei! exclamavam todos, excitados.
Fora a irmã do cônego que não tocara no seu cobre acastelado. João Eduardo disse, curvando-se: