Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/177

Wikisource, a biblioteca livre

Caio Mário da Silva Pereira, por sua vez, admite verdadeiro domínio estatal dos bens públicos, inclusive quanto aos de uso comum. No entanto, afirma[1] tratar-se de um domínio diferente ou sui generis.

Parece-nos que, de fato, ao se apontar que determinado bem pertence ao Estado, não se quer com isso afirmar que o Estado seja titular de um direito real de propriedade sobre o bem, dado que o regime jurídico do direito público se distingue daquele do direito privado. Trata-se, muito mais, como pregam alguns autores, de uma “propriedade administrativa”, com características próprias[2].

A qualificação das obras em domínio público (no direito autoral) como “bens de uso comum do povo” conta ainda com determinadas peculiaridades quando comparada à dos demais bens de uso comum do povo, no sentido tradicionalmente referido. A principal delas diz respeito à (não) alienabilidade.

Mesmo que sejam inalienáveis, por conta do disposto no art. 100 do CCB, em regra, podem as coisas de uso comum vir a ser alienadas pelo fenômeno da desafetação. Tal destino, em regra, jamais será imposto às obras em domínio público no direito autoral (ao menos em nosso ordenamento civil-constitucional presente), pois que são absolutamente inapropriáveis em sua essência. Poderão, no máximo, servir de matéria-prima para uma outra obra que, esta sim, conferirá a seu autor um novo monopólio legal se sobre tal obra incidirem as regras de proteção aos direitos autorais.

Também quanto a este fato se torna mais clara a classificação das obras em domínio público como bens de uso comum do povo. Por exemplo, uma pequena porção de areia da praia, ou mesmo da água do mar, pode ser apreendida e apropriada por quem quer que seja. O que era bem de uso comum passa a estar sujeito a um direito de propriedade. A praia e o mar, entretanto, continuam lá, à disposição de quem quer que seja. Da mesma forma, a utilização de um texto em domínio público, por exemplo, gera para aquele que o utiliza (quer reimprimindo-o, quer produzindo uma obra derivada) direito exclusivo de aproveitamento econômico sobre aquela utilização (e se não gera direito de


  1. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil — Vol. I. Cit.; pp. 443-444. “No direito atual, o que é franqueado é o seu uso, e não o seu domínio, sendo eles, portanto, objeto de um relação jurídica especial, na qual o proprietário é a entidade de direito público (União, Estado, Município) e usuário todo o povo, o que aconselha cogitar ao direito sobre eles, tendo em vista este sentido peculiar do direito público de propriedade que os informa, no qual faltam elementos essenciais ao direito privado de propriedade, e se apresentam outros em caráter excepcional. Assim é que o dominus tem o poder de impedir que qualquer pessoa, que não ele, se utilize da coisa, ao passo que, nos bens de uso comum do povo, o uso por toda a gente não só se concilia com o domínio público da coisa, como constitui mesmo o fator de sua caracterização”. Grifos no original. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil — Vol. I. Cit.; p.444.
  2. Ver, entre outros, CRETELLA Jr., José. Tratado do Domínio Público. Cit.; p. 42. Em síntese semelhante, a doutrina de Odete Medauar: “[o] regime da dominialidade pública não é um regime equivalente ao da propriedade privada. Os bens públicos têm titulares, mas os direitos e deveres daí resultantes, exercidos pela Administração, não decorrem do direito de propriedade no sentido tradicional. Trata-se de um vínculo específico, de natureza administrativa, que permite e impõe ao poder público, titular do bem, assegurar a continuidade e regularidade da sua destinação, contra quaisquer ingerências” (grifos no original). MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. Cit.; p. 276.