Página:O bobo (1910).djvu/289

Wikisource, a biblioteca livre

— Chocarreiro, para que vens aparecer-me neste transe tremendo? - interrompeu o trovador. - Porque vens misturar a risada do maninelo com os derradeiros arrancos do moribundo?

— Venho salvar-te, homem! - replicou o bobo. - Rir-me?! O rir já não é para mim!

— Nem tu o podes, nem eu o quero - respondeu o cavaleiro. - Tens acaso força de quebrar estes ferros? Tenho eu que fazer da vida? O meu futuro acabou.

— Cavaleiro namorado, bem sei que tua dama é já de outrem! - insistiu o bobo. - Mas não achas uma ideia grande de que te alimentes ainda? Um destino a satisfazer? Um nobre feito a prosseguir? Também para mim, nesta vida risonha e folgada de bufão, houve uma hora de agonia e desesperação como a tua, e vivi! Vivi para vingar-me: para a vingança deves tu viver, se és um homem. Mal sabes que prazer é o responder com a injúria à injúria, com o martírio ao martírio! Olha: amanhã há um topar em cheio de escudos e lanças, há uma festa de sangue e matança, e o cavaleiro esforçado poderá pôr um joelho sobre os peitos do seu inimigo derrubado, e gritar-lhe aos ouvidos, apontando-lhe o punhal à garganta: "Sou eu que te mando aos infernos!"