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Monteiro Lobato

Scheherazada que a todos nós, na juventude, nos povoou a imaginação de lindas coisas inesqueciveis. E compõe-se de um guerreiro branco, duas virgens das selvas, caciques, dansas guerreiras, fuga heroica, etc.

Chama-se Marabá e principia assim:

Era por uma dessas noites enluaradas de verão, em que a natureza parece chovida de cinzas brancas.

A taba dorme, e dorme a floresta vizinha, sem sussurros de brisas nem regorgeio de aves.

Só o urutáu pia longe e uma ou outra suindara perpassa, descrevendo vôos de velludo e agourentando a noite com o seu pavido clu, clu, clu, clu... que ora se approxima, ora se perde distante.

No centro do terreiro, atado a um poste da canjerana rija, o prisioneiro branco vela. Foi vencido em combate cruento, teve todos os seus homens trucidados e vae agora pagar com a vida o louco ousio de pisar terra aymoré. Será sacrificado pela manhã, ao romper do sol, cabendo ao potente Anhembira, cacique invicto, a honra de fender-lhe o craneo com o tacape de páo-ferro.