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Página:O precursor do abolicionismo no Brasil.pdf/224

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SUD MENNUCCI

va-me você. Era adoravel... Eu sentia uma ternura por aquele modo franco e descuidoso, com pretensões á brutalidade, e desmaiando em doçura insinuante, paternal. Gostava daquele rudez granitica, recortada em arestas selvagens, porque sentia cachoeiras pelas pedras, uma cascatinha vitrea e sonorosa. O conjunto cativava-me. Depois, não sei que grandeza admirava naquele advogado, a receber constantemente em casa um mundo de gente faminta de liberdade, uns escravos humildes, esfarrapados, implorando libertação, como quem pede esmola; outros, mostrando as mãos inflammadas e sangrentas das pancadas que lhes dera um barbaro senhor; outros... inumeros... E Luiz Gama os recebia a todos com a sua aspereza afavel e atraente; e a todos satisfazia, praticando as mais angelicas acções, por entre uma saraivada de grossas pilherias de velho sargento. Toda essa clientela miseravel saía satisfeita, levando este uma consolação, aquele uma promessa, um outro a liberdade, alguns dinheiro, alguns um conselho fortificante... E Luiz Gama fazia tudo: libertava, consolava, dava conselhos, demandava, sacrificava-se, lutava, exauria-se no proprio ardor, como uma candeia iluminando á custa da propria vida as trevas de desespero daquele povo de infelizes, sem auferir uma sombra de lucro, entendendo que advogado não significa o individuo que vive dos jantares, que lhe paga Temis; entendendo que deve-se fazer um pouco de justiça gratis. E, com esta filosofia, empenhava-se de corpo e alma, fazia-se matar pelo bem. O heroi... Pobre, muito pobre, deixava para os outros tudo o que