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Página:O precursor do abolicionismo no Brasil.pdf/225

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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
209

lhe vinha das mãos de algum cliente mais abastado; doente, moribundo, encontrava no amago da sua natureza uma reserva instintiva de energia, e ia gastá-la em proveito da justiça e da beneficiencia oculta, avessa á fanfarra das reclames, sublime. Tudo isto conglobava-se-me no espirito, como uma grande esfera de luz, sobre a qual levantava-se a figura nobre, irresistivel do bom Luiz Gama. Havia para ele como que um trono em minha alma. Eu votava-lhe o grande culto das lendas heroicas... Entram-me de subito por casa, dizendo: — Morreu Luiz Gama!...

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Estes ultimos dias têm sido esplendidos em São Paulo. A tarde de 24 estava incomparavel. O ceu estava profundamente azul: não havia senão, a bordar o mais remoto horizonte, umas linguetas argentinas de nuvem. Sol a deslumbrar. Vasta tranquilidade pelo espaço.

Saí de casa desesperado, esmagado por uma especie de raiva surda, sufocante, contra esse monstro terrivel que habita não sei onde, o que de vez em quando, estende para fóra a garra e leva-nos um ente querido. Tomei o bonde do Braz. Em caminho, como que serenou a intima tempestade que sufocava-me a garganta e estrangulava-me o espirito. Ao rolar estremecido do bonde, foram-se-me acomodando na mente as idéas que me haviam desabado como rochedos sobre o craneo, no momento da noticia... Então Luiz Gama morrêra... Aquele jovial, aquele folgazão, aquele ameno, com quem eu estivera, não havia tres dias, no escritorio, ouvindo-lhes umas cousas filosoficas e amargas, envoltas em ironias sem veneno, em