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Página:O precursor do abolicionismo no Brasil.pdf/235

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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
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as bandeiras das sociedades musicais e beneficentes da capital pendiam a meio mastro. Apinhava-se povo nos lugares por onde devia passar o enterro. Ás janelas acotovelavam-se as familias. Em alguns pontos viam-se pessoas chorando. Ia sepultar-se o amigo de todos. — Nunca houve cousa igual em São Paulo, dizia-se pelas esquinas. E o nome de Luiz Gama, coberto de bençãos, corria de boca em boca. No posto de honra das alças do esquife sucedia-se toda a população de São Paulo. Todas as classes representavam-se ali. Reparou-se particularmente num contraste estranho. Em caminho da Consolação viu-se Martinho Prado Junior, o homem que quer a introdução de escravos na provincia, a fazer pendant com um pobre negro esfarrapado e descalço. Um e outro carregavam orgulhosamente, triunfantemente o glorioso caixão. Eu perguntei a mim mesmo se Martinho Prado era um escravocrata sincero.

O esquife partindo do Braz ás 4 horas e 5 minutos, ás 5 1/2 ainda estava longe do cemiterio. E ninguem se fatigava. A multidão não rareava. O sol, muito proximo do horizonte, varria a rua com mil feixes rasteiros de luz. Um cone deslumbrante de raios feria os olhos da multidão e lampejava nas facetas douradas do caixão. Meia hora mais tarde passava o funebre cortejo por entre os pilares do portão do cemiterio. O sol se fôra pelo horizonte abaixo... A luz do dia trepava pelas arvores espetrais do Campo Santo, para extinguir-se na profundidade do ceu. A banda de musica misturava com as sombras do crepusculo a tristeza das suas

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