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SONETOS.


CCXXXIV.

 
Oh quanto melhor he o supremo dia
Da mansa morte, que o do nascimento!
Oh quanto melhor he hum só momento,
Que livra de annos tantos de agonia!

De alcançar outro bem cesse a porfia;
Cesse todo applicado pensamento
De tudo quanto dá contentamento,
Pois só contenta ao corpo a terra fria.

O que do seu fez Deos seu despenseiro,
Tẽe mais estreita conta que lhe dar:
Então parece rico o ovelheiro.

Triste de quem no dia derradeiro
Tẽe o suor alheio por pagar,
Pois a alma ha de vender por o dinheiro!



CCXXXV.

Como podes (oh cego peccador!)
Estar em teus errores tão isento,
Sabendo que esta vida he hum momento,
Se comparada com a eterna for?

Não cuides tu que o justo Julgador
Deixará tuas culpas sem tormento,
Nem que passando vai o tempo lento
Do dia de horrendíssimo pavor.

Não gastes horas, dias, mezes, anos,
Em seguir de teus damnos a amisade
De que despois resultão mores danos.

E pois de teus enganos a verdade
Conheces, deixa ja tantos enganos,
Pedindo a Deos perdão com humildade.