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SONETOS.
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XXXVI.

Tomou-me vossa vista soberana
Adonde tinha as armas mais á mão,
Por mostrar a quem busca defensão
Contra esses bellos olhos, que se engana.

Por ficar da victoria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão.
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o Ceo não val defensa humana.

Com tudo, se vos tinha promettido
O vosso alto destino esta victoria,
Ser-vos ella bem pouca está entendido.

Pois, indaque eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande gloria,
Eu a levo maior de ser vencido.



XXXVII.

Não passes, caminhante. Quem me chama?
Hũa memoria nova e nunca ouvida,
De hum que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita, e clara fama.

Quem he, que tão gentil louvor derrama?
Quem derramar seu sangue não duvida,
Por seguir a bandeira esclarecida
De hum capitão de Christo que mais ama.

Ditoso fim, ditoso sacrificio,
Que a Deos se fez e ao mundo juntamente!
Pregoando direi tão alta sorte.

Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deo na vida claro indicio
De vir a merecer tão santa morte.