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Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/278

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e desespero sob sua grinalda de orgia? Glória! São acaso os loiros salpicados de lodo, manchados, descridos, cuspidos do poviléu, e que o futuro só consagra ao cadáver que dorme?

Escuta. Eu também amei. Eu também talvez possa amar ainda. Às vezes quando a mente se me embebe na melancolia, quando me passam na alma sonhos de homem que não dorme, e que chamam poesia; eu sinto ainda reabrir-se o meu peito a amores de mulher. Parece que se aquela beleza de olhos e cabelos negros, de colo arquejante e flutuoso me deixasse repousar a cabeça sobre seu peito, eu poderia ainda viver e querer viver, e ter alento bastante para desmaiar ali na volutuosidade pura de um espasmo, na vertigem de um beijo.

Mas o que me agita as fibras ainda é volutuosidade -é o ademã de uma beleza lânguida, a sede insaciável do gozo.

São sonhos! sonhos, Penseroso! É loucura abrir tanto os véus do coração e essas brisas enlevadas que vem tão sussurrantes de enleio, tão repassadas de aromas e beijos! É loucura talvez! E contudo quando o homem só vive deles, quando todas as portas se fecharam ao enjeitado-por que não ir bater na noite de febre no palácio da fada das imaginações? Põe a mão no meu coração. Tuas falas m'o fizeram bater. Havia uma voz dentro dele que eu pensava morta, mas que estava só emudecida. Escuta-a. Há uma mulher em quem eu pensei noites e noites: que encheu minhas noites de insônia, meu sono