Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/349

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desatarem-se-lhe as trancas luzidias e negras — e depois aparecia no véu branco do roupão transparente como as estátuas de ninfas meio-nuas, com as formas desenhadas pela túnica repassada da água do banho.

O que vi — foi o que sonhara e muito, o que vos todos, pobres insanos, idealizastes um dia como a visão dos amores sobre o corpo da vendida! Eram os seios alvos e velados de azul, trêmulos de desejo, a cabeça perdida entre a chuva de cabelos negros — os lábios arquejantes — o corpo todo palpitante — era a languidez do desalinho, quando o corpo da beleza mais se enche de beleza, e como uma rosa que abre molhada de sereno, mais se expande, mais patenteia suas cores.

O narcótico era fortíssimo: uma sofreguidão febril lhe abria os beiços: extenuada e lânguida, caída no leito, com as pálpebras pálidas, os braços soltos e sem forca — parecia beijar uma sombra.



Ergui-a do leito, carreguei-a com suas roupas diáfanas, suas formas cetinosas, os cabelos soltos úmidos ainda de perfume, seus seios ainda quentes...

Corri com ela pelos corredores desertos, passei pelo pátio — a ultima porta estava cerrada: abri-a.

Na rua estava um carro de viagem: os cavalos nitriam e escumavam de impaciência. Entrei com ela dentro do carro. Partimos.

Era tempo. Uma hora depois amanhecia.

Breve estivemos fora da cidade.