Página:Obras poeticas de Claudio Manoel da Costa (Glauceste Saturnio) - Tomo II.djvu/201

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OBRAS POETICAS
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Derrama das entranhas, se despenha
Gota a gota um ribeiro; logo á raia
De ambas margens excede e já se espraia,
Separado do berço na campina,
Um murmurio sonoro só de Eulina
Repete o nome; a maravilha estranha
Inda mais se adianta; ao longe apanha
Uma nympha na arêa os montes de ouro,
Com que esmalta o cabello e o torna louro.

A margem deste rio povoada
Vejo da portuguesa gente amada,
Toda entregue á solicita porfia,
Com que o rico metal da terra fria
Vai buscar a ambição: vejo de um lado
Erguer-se uma cidade, e situado
Junto ao monte, que um valle aos pés estende,
Vejo um povo tambem: (26) tudo surpr’ende,
Tudo encanta a minha alma, estou detido
No phantastico objecto: eis que um gemido
Arranca desde o seio o monstro escuro,
E diz: Entre as imagens do futuro
Talvez te espera... mas...: e nisto em nada
Se torna toda a machina ideada;
Desfez-se a penha, a nympha e o ribeiro,
Solto dos olhos o sopòr grosseiro.

Não de outra sorte no ultimo horisonte
Ao sepultar-se o sol, lá desde um monte
Podem ver-se as imagens differentes
A’s refrações da luz: estão presentes
Bosques, cidades, ruas e castellos,
Que os raios em distinctos paralellos
Talvez figurão; despertando a aurora,
Desapparece a sombra enganadora.