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AFINIDADES MÚTUAS DOS SERES ORGANIZADOS
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diferença fundamental no crescimento ou desenvolvimento dos órgãos, e geralmente na conformação adulta. O fim obtido é o mesmo, mas os meios são essencialmente diferentes, posto que pareçam superficialmente os mesmos. O princípio ao qual temos feito alusão precedentemente com o nome de variação análoga tem, provavelmente, desempenhado muitas vezes bom papel nos casos deste género. Os membros da mesma classe, ainda que de muito longe aliados, herdaram tantos caracteres constitucionais comuns, que estão aptos a variar de uma maneira parecida com a influência de causas da mesma natureza, o que auxiliaria evidentemente a aquisição, pela selecção natural, de órgãos ou de partes assemelhando-se extraordinàriamente, fora do que pudesse produzir a hereditariedade directa de um ancestral comum.

Como espécies pertencendo a classes distintas são muitas vezes adaptadas em seguida a ligeiras modificações sucessivas para viver em condições quase semelhantes — por exemplo, para habitar a terra, o ar ou a água — não é talvez possível explicar como sucede que se tenha observado algumas vezes um paralelismo numérico entre os subgrupos de classes distintas. Impressionando com um paralelismo deste género, um naturalista, elevando ou baixando arbitràriamente o valor dos grupos de muitas classes, valor até aqui completamente arbitrário, como tem sido provado pela experiência, poderia fàcilmente dar a este paralelismo uma grande extensão; é assim que, muito provávelmente, se têm imaginado as classificações septenárias, quinárias, quaternárias e ternárias.

Há uma outra classe de factos curiosos nos quais a semelhança exterior não resulta de uma adaptação a condições de existência semelhantes, mas provém de uma necessidade de protecção. Faço alusão aos factos observados pela primeira vez por M. Bates, relativamente a certas borboletas que copiam da maneira mais frisante outras espécies completamente distintas. Este excelente observador demonstrou que, em certas regiões da América do Sul, onde, por exemplo, pululam as nuvens brilhantes de Itomia, uma outra borboleta, a Leptalis, se mistura muitas vezes com a itómia, à qual se semelha tão estranhamente pela forma, cambiantes e manchas das asas, que M. Bates, ainda que exercitado por onze anos de estudos, e sempre com atenção, foi, contudo, enganado constantemente. Quando se examina modelo e a cópia, e se comparam os dois, encontra-se que a sua conformação essencial difere inteiramente, e que pertencem não sòmente a géneros diferentes, mas muitas vezes a famílias distintas. Uma tal semelhança poderia ter sido considerada como