Página:Os Esquecidos no Processo de Independência.pdf/31

Wikisource, a biblioteca livre

Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

permaneceu em Portugal após a separação do Brasil. Era conhecida no Recôncavo, onde tinha sua casa, como mulher severa e enérgica. Por meio da intensa correspondência com seu esposo, há possibilidade de averiguar alguns pontos considerados como consagrados a respeito da Independência do Brasil. Em suas cartas, verificam-se questões pessoais, como a intensa paixão pelo marido, que nunca afastou seu senso de responsabilidade a ponto de tudo abandonar para regressar a Portugal e viver em paz em uma quinta do norte com Luís Paulino. De outro, questões políticas, quando, com sensatez e objetividade, analisa os acontecimentos políticos daquela época, condenando tanto “os extremistas brasileiros” como “os radicais portugueses”. Com uma perspectiva arguta afirmava que a distinção entre brasileiros e portugueses, ou “europeus”, já era uma realidade antes da Independência. Tratava-se apenas de uma questão de “pátria de nascimento”[1]. Seu marido era “brasileiro”, porque nascera em Cachoeira; ela portuguesa, porque originária de Penafiel. Tal ponto de vista não significava, no entanto, que os nascidos em Portugal fossem obrigatoriamente contrários à Independência, e os oriundos do Brasil adeptos da causa nacional. Uma de suas frases revela o equilíbrio de suas posições: “amo Portugal, gosto do Brasil e desejo o bem, pois não sou egoísta, nem ambiciosa”[2]. Em várias missivas, criticava as atitudes brutais do general português Madeira de Melo contra os brasileiros: “não se iludam aí: nada fazem com os brasileiros pela força. Doçura e mais doçura, igualdade e mais igualdade”. E concluiu, com veemência: “Os brasileiros não são enteados, são filhos”[3]. Enfrenta as dificuldades da guerra e toma decisões por si só, apesar de ter dois filhos, nascidos em Portugal - Bento e Luís -, nos momentos mais difíceis, como nas crises financeiras e nas lutas políticas. Contra a opi-

31

Forum

  1. Para o conceito, cf. CANECA, Frei Joaquim do Amor Divino. Dissertações sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria. In: MELLO, Evaldo Cabral de (org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, 2001, p. 53-99.
  2. FRANÇA, António d’Oliveira Pinto da; CARDOSO, Antônio Monteiro. Cartas baianas: 1821 ... Op. cit., p. 37, carta de 13 de abril de 1822.
  3. Ibidem, p. 82, carta de 24 de agosto de 1822.