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Quem lhe teria o almocinho quente, quando elle recolhia de madrugada, transido de frio, depois da pescaria no mar alto, sentindo pesar-lhe cada vez mais os janeiros, que de anno para anno lhe dobravam o tronco herculeo e, não ralysavam o braço, outr'ora infatigavel?

Com a ajuda da Senhora das Salas, advogada dos pescadores de Sines, esperava ter forças, apesar de velho, para ganhar o pão dos quatro pobresinhos.

Mas quem havia de remendal-os, de preparar a comida e de acear o casinholo onde viviam?

Um desgosto, que o acabrunhava, que o levaria á cova, soluçava o velho, abraçado ao cadaver da filha. Tres dias depois, foi bater á porta de uma visinha, a pedir-lhe que lhe olhasse pelos pequenos, cm quanto elle estivesse fóra de casa.

Mas ao voltar da pesca, a visinha saiu-lhe ao encontro e referiu-lhe, com muitos gestos, que a Severina se oppozera, que lhe dera mandado de despejo, que lhe assegurára que de ninguem precisava, que lhe repetira que era já uma mulher que podia trabalhar.

Resolutamente, com uma força que ninguem suspeitaria n'essa fraca rapariguinha, delgada como um junco, branca e fina como uma flôr de cêra, a Severina chamou a si todos os encargos casciros e adoptou os tres pequenitos, envolvendo-os na ineffavel ternura, amparando-os com a dôcc e cariciosa protecção maternal, de que só as mulheres na terra possuem o irrevelavel segredo.