Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/126

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as esteiras, as alpercatas, os cestos, que os ermitas fabricavam, descia a uma povoação do outro lado da serra, onde trocava aquelas obras das santas mãos pela farinha, por ervas, e pelo vinho das galhetas. Todos estes serviços eram fáceis e doces. Mas, pouco a pouco, Cristóvão sentia como uma melancolia e um desejo das cidades e da vida dos homens. A montanha era triste e sem verdura; - mas a sua tristeza vinha sobretudo do silêncio, da amargura, da desolação dos santos que a povoavam. Todo o dia era por eles consumido a gemer, mesmo quando trabalhavam – e o seu esforço constante era a martirização dos corpos, onde se instalava o Inimigo. Mesmo imóveis, quietos, se estavam mortificando: uns traziam um cinto de pregos, que lhes rasgava a carne; outros introduziam debaixo do hábito formigas ou vespas que os picavam; outros suspendiam do pescoço uma pedra enorme, e caminhavam arquejando e tropeçando. Toda a doçura humana lhes era alheia. Ao pão que coziam misturavam terra; a água, só a queriam já envelhecida e pútrida. Por vezes alguns permaneciam, dias e dias, imóveis, de pé sobre uma pedra, com as mãos espalmadas, sob a chuva, e, quando o sono ou a fome os iam a vencer, enterravam uma espinha aguda no peito; outros dormiam com a cabeça sobre uma pedra, outra pedra sobre o estômago, outra sobre as pernas juntas,