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O bom lenhador apressava sua égua: e bem depressa, do alto de um cerro coberto de azinheiras, avistou embaixo o rio, o largo rio escuro que corria, mudamente, sob os quatro arcos de uma velha ponte romana, que tinha ao meio uma capelinha nova, onde palidamente, na névoa úmida, bruxuleava uma lâmpada. Para além, na outra margem, era uma longa colina suava, onde se erguia, acompanhado de arvoredos e cercado de muralhas como uma cidadela, um mosteiro rico de Domínicos.

Mas, descendo o cerro, o caminho estreito, por onde, sob a estrelada mudez da noite, iam tilintando os guizos da égua, corria fundo e negro entre altos barrancos. E como aí, por vezes, de noite, aparecia um estranho pastor, de cabelos cor de fogo, e seguido por dois lobos familiares, o bom lenhador murmurou, voltado para o santo lugar onde nasce a estrelinha d'alva, o nome do anjo Gabriel.

Depois, sem temor, atravessou o pinheiral. Já então trilhava as terras do solar do seu Senhor. Vastos pastios de gado, campos onde se fizera a ceifa, desciam até o rio, que um choupal bordava, escuro e cheio e rouxinóis. E sobre um forte outeiro, logo o Castelo apareceu, negro, formidável, com altas muralhas, os grandes cata-ventos em forma de dragões e de aves heráldicas no cimo de cada torre, e, na mais alta, a chama clara do seu alto farol.