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Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/210

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a barba era rude e forte como um mato. Sob a barba, e sob as sobrancelhas ficava invisível a doçura incomparável do seu olhar, do seu sorrir – e para os que o viam, na verdade o seu aspecto era horrendo e temeroso.

Quando entrava nas cidades, as crianças fugiam, todas as portas se fechavam – e os homens de guarda acudiam a saber de onde viera, a que baronia pertencia, e se tinha licença de vaguear nos caminhos. Ele respondia que só queria trabalhar: e tão humilde e quieto ficava, junto de uma fonte ou ao canto de uma praça, que bem depressa as portas se abriam, e, já sorrindo, as crianças voltavam. Todas faziam lembrar a Cristóvão a Joana da sua aldeia. A essa hora ela devia ser mulher, e talvez, por seu turno, trouxesse pendurada das saias uma criança loura e graciosa como ela fora. Chamava algumas das crianças espantadas, fazia-as saltar sobre os joelhos. Das gelosias as mães sorriam. Já ninguém receava o gigante – e ele sentido-se aceite, começava logo a ajudar as trolhas que erguiam uma casa, ou a um empurrar um carro atolado nas lamas. Bem depressa, todos queriam os serviços daquela força imensa. E era ele que limpava os mercados, caiava as torres de fresco, transportava os fardos, apanhava a neve dos rios no Inverno, regava o pó das ruas no Verão, consertava os telhados, apagava os incêndios – e, sentado à porta dos hospitais,