Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/477

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isto era a Civilização, e passou a considerar-se a si mesma cidade civilizada. Desde então Lisboa corrigiu-se cuidadosamente de alguns defeitos selvagens, lavou-se, apurou-se, e, para manter a sua linha de capital culta e chique, impôs-se a si mesma certos hábitos e constrangeu-se a certas poses. Lisboa já põe casaca à noite; anda-se arruinando com um boulevard; finge entender de bricabraque; já vai às corridas e já aposta com coragem a sua placa de cinco tostões: – e Lisboa, enfim, já não despreza os seus homens de letras. Aqui há vinte anos, quando se dizia de um desgraçado que ele era um literato – tinha-se dito dele tudo quanto a imaginação burguesa podia conceber de mais humilhante e de mais esmagador. Hoje, se o mesmo sujeito passa na rua, Lisboa (já civilizada, mas encostada ainda às esquinas) observa-o com simpatia e diz com respeito: «E um rapaz de muito talento». Nós agora, aqui em Lisboa, temos todos muito talento!

Enfim, Lisboa ainda se não elevou decerto à compreensão de que uma literatura é a melhor justificação de uma nacionalidade – e muitos anos passarão antes que ela acredite que são os homens de letras que dão, a um país, a sua posição e o seu valor na civilização; que um soneto pode salvar uma nação do esquecimento; e que, se ainda hoje se fala tanto de Roma, é isso devido às odes de um sujeito que