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de vontade, de omnipotencia e de omnisciencia. No Brasil, como em todos os paizes, observa-se todos os dias este feiticismo religioso. Muita gente, tendo devoção a certo santo do calendario, não sabe porque lhe tem devoção, nem ao menos sabe quem foi ou fez elle na vida terrena. O que essa gente adora não é absolutamente a pessoa do varão piedoso e justo, que a Igreja, pela sua virtude e caridade, incluiu no numero dos bemaventurados: o que ella adora é unicamente a imagem do santo. Conheci uma senhora, uma boa e velha amiga, que era muito devota de Santo Antonio. Mas nem ella sabia quem foi Santo Antonio! Não era ao meigo e misericordioso lisboeta, pobre e austero, que se metteu entre os moiros para os converter, e que com a sua eloquencia commovia até os peixes, — não era a esse Santo Antonio que ella dirigia as suas preces. Não! o seu Santo Antonio, o unico que ella reconhecia e adorava, era um certo Santo Antonio de um palmo de altura, que havia no seu oratorio da sua casa do Rio de Janeiro. Aconteceu que essa senhora foi passar algum tempo na Europa. O seu primeiro cuidado, ao installar-se em Paris, num hotel, foi trocar uma imagem nova de Santo Antonio, que collocou, entre flores, sobre a commoda do quarto de dormir. Parece, porém, que o novo santo não lhe era tão liberal em milagres como o antigo... “O sr. não imagina (disse-me ella) a falta que me está fazendo o meu Santo Antonio, que deixei no Rio de Janeiro”. — “Como? (perguntei), mas não tem a senhora alli, sobre a commoda, um Santo Antonio?” — “Não é a mesma cousa! eu só me entendo bem com o meu santo do Rio de Ja-