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RELICARIO
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E emquanto fóra uivam os ventos
Vergando as arvores — eu ouço
Dentro de mim, como lamentos
No fundo lobrego de um poço,

Gemer na treva um surdo côro
De imprecações e de blasfemias:
Vozes de lastima e de chôro,
Gera-as a sombra e o tedio geme-as.

Mas hoje vóltas, primavera,
A’ terra, verde e reflorida,
Ao ceu azul que reverbera,
A’ minha vida revivida;

Voltam comtigo os belos sonhos:
Olho em minh’alma, e julgo vel-os
Abrindo os calices rizonhos
Ao sol, com as flores, entre os gelos.

E da alegria a aza travessa
Vôa pela minh’alma a fóra:
— Inseto azul que recomeça
O vôo ao despontar da aurora.