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desestrado com o lapis na mão; porque em dois traços d’elle te dizia muito mais e melhor do que em tanta palavra que porfim tam pouco diz e tam mal pinta.

Santarem é um livro de pedra em que a mais interessante e mais poetica parte das nossas chronicas está escripta. Ricco de illuminuras, de recortados, de florões, de imagens, de arabescos e arrendados primorosos, o livro era o mais bello e o mais precioso de Portugal. Inquadernado em esmalte de verde e prata pelo Tejo e por suas ribeiras, fechado a broches de bronze por suas fortes muralhas gothicas, o magnífico livro devia durar sempre em quanto a mão do Creador se não extendesse para apagar as memorias da creatura.

Mas ésta Ninive não foi destruida, ésta Pompeia não foi submergida por nenhuma catastrophe grandiosa. O povo de cuja história ella é o livro, ainda existe; mas esse povo cahiu em infancia, deram-lhe o livro para brincar, rasgou-o, mutilou-o, arrancou-lhe folha a folha, e fez papagaios e bonecas, fez carapuços com ellas.

Não se descreve por outro modo o que ésta