Paulo/X

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Feita a refeição, Paulo foi ter com o comendador.

O pai de Emília não alterou a sua afabilidade para com o jovem pintor, que parecia bastante perturbado.

Era o abalo dessa fibra de pejo, que se move no coração do mancebo, a presença do ancião a quem vai falar do amor que lhe inspirou sua filha.

O comendador fez sentar ao pé de si o jovem amante, principiando com jovialidade:

— Não desanime, sr. Paulo, que dessa doença não há de morrer. Sua mãe expôs-me tudo e eu não desestimei saber que um moço dedicado ao trabalho, cheio de aspirações dignas da inteligência que a força de vontade tem cultivado, na falta de outros meios, numa palavra, um moço dotado de tanto senso como o sr. Paulo, não desestimei saber que amava a minha filha. Antes, porém de assentarmos num compromisso, julgo conveniente dizer-lhe algumas palavras a meu respeito e também dela.

Até aqui o sr. Paulo merecia-me toda a consideração, mas, desde este instante em que começo por considerá-lo um filho próprio, faz-me credor de toda a minha intimidade, e portanto vou falar-lhe com toda a franqueza de pai para filho.

E o comendador começou a expor familiarmente todos os principais pontos da sua vida rematando neste teor:

— Com a política desperdicei toda a minha fortuna, e juntamente a herança que coube por morte de sua mãe à minha filha. Na corte deixei credores, a quem nunca mais poderei pagar o que devo, sendo um deles o avô de Emília, que, mesquinho como é, e ainda mais meu inimigo capital, por sua morte incluirá, naturalmente, na herança de sua neta a minha dívida. Não tem, pois, Emília, outro dote que não seja alguma inteligência...

— Perdão - interrompeu Paulo -; d. Emília tem um dote que eu não trocaria por todas as moedas do mundo: o coração; e eu sou moço e saberei trabalhar.

— Já o sabe - tornou o comendador -, e eu prezo ouvi-lo falar assim. Agora - prosseguiu levantando-se - deixe-me ir chamar a minha filha, creio que a surpresa ser-lhe-á agradável.

Não foi preciso. Emília apareceu, alheia ao que se tratava, e sem cuidar naquele momento ir encontrar-se com Paulo.

A desprevenida donzela enrubesceu dando com os olhos em seu amante, que, ao contrário dela, empalideceu.

— Ainda bem que vieste - disse-lhe o comendador sentando-se outra vez -, levantava-me para ir chamar-te.

Emília e Paulo trocaram entre si uma acanhada cortesia.

— Então o que há de novo? - perguntou ela quase sobressaltada sentando-se junto a seu pai.

— Não adivinhas ? - tornou-lhe o comendador,

— Não - balbuciou ela.

— Pois eu te explico: o sr. Paulo veio participar-nos que... vê se podes adivinhar o resto?

— Não... sei... - respondeu Emília dividindo as palavras.

— Veio participar-nos que vai casar-se...

— Ah! - exclamou a donzela involuntariamente e empalidecendo - vai casar-se?!

E curvou a fronte, tentando furtar aos olhos de seu pai o segredo que, malgrado seu, seus olhos revelavam.

— O sr. Paulo - continuou o comendador dissimulando nada ter percebido - ainda foi mais delicado, pois que vindo participar-nos o seu propósito, trouxe-nos o retrato de sua futura noiva...

Emília estremeceu

O comendador levantou-se, foi à sua secretária e voltou trazendo um quadro. Era o mesmo que não havia muito, lá tinha deixado ficar a mãe de Paulo.

— Eis o retrato da noiva do sr. Paulo - continuou ele apresentando o quadro à sua filha.

— Meu pai - exclamou ela vendo-se retratada, e deixou cair levemente sobre o ombro de seu pai a sua mimosa fronte.

— Correu-se o véu do segredo, minha filha; o artista, que tão bem soube roubar-te as feições, em paga do coração que lhe roubaste, espera a sua sentença; estende-lhe a mão e sentencia-o.

As mãos dos amantes estenderam-se, o comendador as uniu; apertaram-se reciprocamente, pronunciando ambos e a um tempo o nome daquele sentimento que lhes afagava os corações - amor.