Pensar é preciso/V/A doutrina islâmica
Maomé nunca se considerou um novo deus, mas apenas um novo Messias, um ser humano igual a Moisés e Jesus, que veio ao mundo para lembrar aos seus contemporâneos da Meca, que praticavam o politeísmo e tinham desvios éticos, a palavra esquecida de Abraão, o primeiro patriarca ao qual Jeová se revelara. Portanto, a doutrina islâmica está visceralmente ligada à do Antigo Testamento judaico, melhorado pelo evangelho de Cristo. Mas, evidentemente, além de pontos em comum, a religião islâmica apresenta divergências dogmáticas com relação ao judaísmo e ao cristianismo. Substancialmente, o Islamismo também acredita em Deus, nos Profetas, nas Sagradas Escrituras, na Predestinação, na Ressurreição e no Juízo Final, mas com variantes peculiares. A saber:
Todo muçulmano deve acreditar que existe um único Deus, de nome Alá, sendo Maomé seu principal Profeta. Nega-se, portanto, o dogma católico da Santíssima Trindade, que admite a divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Islamismo é frontalmente contrário à divinização de qualquer criatura humana, inclusive Jesus Cristo, que teria nascido da Virgem Maria. O próprio Maomé não é considerado um ser divino, mas apenas um enviado de Alá para ensinar uma nova doutrina. O Corão menciona mais de vinte profetas, anteriores a Maomé, considerados “mensageiros” de Deus, locais ou nacionais, sendo Maomé o último e o único Profeta universal. O mesmo diga-se das Escrituras Sagradas: os muçulmanos não desmentem o que está escrito na Torá e no Evangelho, mas, para eles, o Corão é a fonte primeira do exato conhecimento da verdade religiosa. Tudo o que estiver de acordo com o Livro de Maomé deve ser considerado como verdadeiro e o que for diferente deve ser rejeitado.
Quanto à Predestinação, o muçulmano acredita que todos os acontecimentos estão previstos pela vontade divina, estando previamente fixados no livro do Destino. Tal crença passou à história com o nome de “fatalismo árabe”. Recentemente, esta doutrina vem sendo modificada, pois se percebeu que o fatalismo contradiz o princípio da liberdade pessoal, que eximiria o indivíduo da responsabilidade pelos seus atos e constituiria um obstáculo para o desenvolvimento social. Além disso, contrariaria a crença no Juízo Final (Quiyáma). Em vista de que o Corão admite que haja o fim do mundo, a Ressurreição dos corpos, que se juntariam para sempre com suas almas, e o Julgamento derradeiro, como atribuir culpas pelas ações feitas em vida se já estavam determinadas pela vontade divina? Em base a qual critério Deus poderia separar os bons, que iriam para o céu (Saná) ou paraíso (Jannat), dos maus que seriam castigados por seus pecados? A fé no Dia do Juízo Final, assim como na existência do Paraíso e do Inferno, é indispensável para promover a causa da moralidade e da bondade. O sentimento de justiça, que premia o bem e castiga o mal, não realizado neste mundo, exige sua satisfação numa outra vida. O conjunto da religião islâmica está condensado em cinco Mandamentos: fé, oração, esmola, jejum de Ramadã, peregrinação a Meca.
1) Fé (Chahara): “Eu testemunho que não há outra divindade além de Alá e que Maomé é seu enviado”. O Islã não considera a religião como um assunto pessoal ou uma atividade independente da vida cotidiana, praticada num dia da semana, como o sábado dos judeus ou o domingo dos cristãos. Não são “seis dias para mim” e “um para o Senhor”. A fé em Deus constitui uma organização social e pública, que afeta trabalhos, indústria, relações nacionais e internacionais. Para a crença muçulmana não existe o que no Ocidente chamamos de “secularismo”, a vivência das ações diárias do homem independentemente do sentimento religioso. Igreja e Estado são uma coisa só, não se cogitando um tipo de cidadania fora da crença na divindade. O muçulmano não precisa de batismo, como o judeu ou o cristão, pois a Lei islâmica, chamada Xaria, diferentemente da Torá ou do Evangelho, é aplicada natural e automaticamente, independente da vontade da criança ou de seus pais: o filho de um casal muçulmano já nasce muçulmano!
2) Oração (Salat): conforme o espírito do Corão, a vida do muçulmano deve ser regida pela constante oração, que relaciona estritamente o homem com a divindade, estimulando os elementos positivos e eliminando as tendências más. Na oração, o devoto de Maomé encontra uma lição de vida que lhe dá força moral e paz interior. Pelo ritual, rezar é obrigatório cinco vezes ao dia: oração da Alvorada, do Meio-Dia, do Meio da Tarde, do Pôr do Sol, da Noite. Não havendo autoridades hierárquicas, como em outras religiões (padres, pastores, rabinos), as orações são dirigidas por um membro da comunidade com grande conhecimento do Corão. Os versos são recitados em árabe, enquanto as súplicas pessoais podem ser feitas no idioma de escolha do muçulmano. E não há necessidade de freqüentar a Mesquita, pois o fiel pode rezar em qualquer lugar, em casa ou no trabalho. Importante é a posição correta: o corpo deve inclinar-se com o rosto em direção ao Caaba da Meca, e não mais para o Templo de Jerusalém, conforme o costume judaico. As crianças devem ser obrigadas a rezar a partir dos sete anos. Os adultos só podem ser dispensados em casos excepcionais: 05 dias durante a menstruação, 40 dias em ocasião do parto, no decorrer de uma doença grave. Ligado à oração, há o rito da ablução: lavar as mãos até o pulso, por três vezes, cruzando os dedos no decurso da lavagem, antes das orações; tomar banho completo após a relação sexual e em ocasiões especiais.
3) Esmola (Zacat): além de esmolas facultativas e ocasionais, existe a contribuição obrigatória, chamada no Corão de Zacat. Ela purifica a alma do contribuinte e elimina do seu coração o egoísmo e a sede de riqueza. A percentagem mínima a ser paga é 2,5% sobre bens móveis e imóveis. Por ser proporcional aos rendimentos de cada muçulmano, a taxa funciona também como uma forma de diminuir a diferença entre as classes sociais. O pagamento da Zacat é uma prescrição divina, não podendo ser confundida com qualquer imposto do Governo. Seus beneficiários principais são os muçulmanos em serviço da causa de Alá através da investigação, estudo ou divulgação do Islã. Essa taxa islâmica é cobrada também das povoações dominadas pelos muçulmanos, embora não queiram aderir à religião de Maomé. Muda apenas o nome: os não-islâmicos, além de pagar os tributos governamentais, são obrigados a pagar também a “Jizia”.
4) Jejum (Saum): abstinência de comida, bebida, sexo e fumo, da alvorada ao pôr do sol, durante o Ramadã, o nono mês do ano islâmico. O jejum tem várias finalidades: mente clara para pensar e corpo leve para agir; espírito da igualdade de todos perante a lei; submissão à ordem e à disciplina; estímulo à poupança fazendo economias; renúncia aos interesses terrenos; regime para manter o corpo em forma. Diferentemente da Quaresma dos cristãos, o Ramadã, que segue o calendário lunar, muda de período, podendo acontecer em qualquer estação do ano.
5) Peregrinação a Meca (Hadjdj): lê-se no Antigo Testamento da religião judaica que Abraão tinha 100 anos quando teve Isaac com a esposa Sara e 86 anos quando nascera Ismael por uma relação extraconjugal com a escrava egípcia Agar (Hajra). Portanto, tendo Ismael nascido 14 anos antes de Isaac e Abraão levado para o sacrifício seu “filho único”, este só podia ter sido Ismael, nunca Isaac. A não ser que Deus fosse tão injusto ao ponto de negar a legitimidade de uma criança pelo fato de ser filho de uma escrava! Com base nisso, a tradição muçulmana narra que Agar, expulsa da casa de Abraão, levou seu filho Ismael para a Meca e lá ajudaram a construir o santuário do Caaba, depositário da Pedra Negra, em recordação do profeta Abraão, considerado o Grande Avô dos árabes. Ismael teria sido levado para o sacrifício no Monte Marwat, perto da Meca, cidade que se tornou o centro espiritual do Islã, como Jerusalém para os judeus e Roma para os cristãos. A Peregrinação a Meca é uma convenção anual de Fé coletiva (no último mês do calendário islâmico) e individual (em qualquer outra época), obrigatória para todo muçulmano em condições físicas e econômicas.