Pensar é preciso/VI/Leonardo da Vinci
A Renascença italiana: Leonardo da Vinci
O termo Renascimento ou Renascença (do francês renaissance) passou a indicar o ressurgimento da Europa após as longas trevas da Idade Média. Como se o homem, que viveu intensamente na era greco-romana, tivesse morrido, soterrado pela ideologia cristã, e depois voltasse a viver novamente. O Renascimento propriamente dito ocupa os séculos XV (Quatrocentos) e XVI (Quinhentos), tendo como centro de irradiação a península italiana. Mas a Renascença não foi um movimento que surgiu de uma forma abrupta e com uma tomada de consciência opositiva a um movimento anterior, como será mais tarde, por exemplo, o Realismo em contraste com o Romantismo. Ele foi crescendo aos poucos, em lugares e em tempos diferentes. Tanto é que os estudiosos falam de vários renascimentos: 1) carolíngio, na época de Carlos Magno, no início do séc. IX; 2) em conseqüência das Cruzadas, a partir do séc. XII; 3) na segunda fase da Idade Média, séculos XIII (Duzentos) e XIV (Trezentos); 4) italiano ou propriamente dito: sec. XV e XVI.
Na verdade, houve uma Pré-Renascença, quando as línguas modernas começaram a produzir os primeiros documentos de arte literária e a Europa saiu do isolamento, entrando em contato direto com a cultura bizantina e muçulmana. Mas a visão do mundo estava ainda impregnada pelo espírito da religiosidade. O pensamento reflexivo e a arte continuavam a serviço da ideologia cristã. O que aconteceu na literatura com os três grandes escritores considerados os fundadores da língua italiana e os precursores do Renascimento: Dante (poesia épica), Petrarca (poesia lírica) e Boccaccio (narrativa curta). Mas o espírito religioso prevaleceu, sobretudo, nas artes plásticas. O estilo gótico (relativo aos godos, povo primitivo da França) predominou especialmente na arquitetura: as catedrais com suas agulhas finíssimas a indicar o movimento vertical em direção ao céu. Na pintura sobressaiu o mestre italiano Giotto (1266-1337) com seus afrescos sobre temas da vida da Virgem Maria e de Jesus Cristo.
Mas o verdadeiro Renascimento tem como pressuposto teórico o Humanismo. Ele acontece quando se substitui o teocentrismo pelo antropocentrismo: o centro de preocupação não é mais Deus, mas o Homem. A razão começa a predominar sobre a fé, tentando a reintegração do homem à natureza e à história. A felicidade é procurada nesta terra e não transferida para um hipotético reino sobrenatural. O termo Humanismo historicamente está ligado à palavra latina humanitas, um conjunto de disciplinas pedagógicas ministradas para a formação do cidadão: gramática, retórica, história, ética, política. O homem renascentista procura sua salvação se desvinculando da religião medieval e se conectando ao ideal de vida da antiguidade greco-romana. Daí a busca e a valorização de textos de Virgílio, Horácio, Cícero e de outros escritores romanos, obliterados por séculos nas bibliotecas de palácios e monastérios.
A grande revolução do Humanismo e da Renascença foi o nascimento da consciência do “indivíduo”, cujos valores se tornaram mais importantes do que as instituições religiosas e o os textos sagrados. O longo processo de evolução política e cultural chegou ao seu apogeu na península italiana, a partir do séc. XV, devido às peculiares condições econômicas de que gozavam as cidades marítimas. Genova, Veneza, Pisa, Nápoles, deitadas no meio dos mares Tirreno e Adriático, se tornaram os estados mais opulentos por estabelecerem relações comerciais com outras cidades banhadas pelo Mediterrâneo. Primeiro, a Florença da época dos Médici, e depois Roma, pela importância que foi adquirindo o Papado, se tornaram centros de irradiação de cultura, rivalizando entre si para contratar arquitetos, escultores e pintores com o fim de embelezar suas igrejas, praças, palácios.
O homem-emblema do Renascimento italiano e europeu foi o florentino Leonardo da Vinci (1452-1519), artista e sábio (pintor, escultor, arquiteto, poeta, matemático, físico, filósofo), sendo definido como “o mais completo dos homens” de todos os tempos e lugares. Foi com ele que a Europa despertou do sono medieval e abriu as portas para a modernidade. Ele viajou pelas principais cidades da Itália (Florença, Milão, Mântua, Roma), solicitado para fazer obras de pintura e de escultura, ora rivalizando, ora trabalhando em conjunto com os outros dois pintores famosos da sua época, Rafael e Michelangelo. Enfim, morreu a serviço do rei da França Francisco I. Além das artes, Leonardo cultivou a investigação científica, estudando fenômenos naturais, anatomia, hidráulica, mecânica. A obra de arte que o tornou imortal foi a tela Mona Lisa, também chamada de “Gioconda”, o retrato da esposa do nobre florentino Francesco Del Giocondo, que se encontra em exposição no museu do Louvre, em Paris. A peculiaridade deste quadro é que a imagem sorri para o observador de qualquer lado que ele a olhe e de uma forma enigmática. Como pensador nos deixou vários ensinamento. Eis um, apenas como amostra:
"Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa,
nunca tem medo e nunca se arrepende".
Para falar sobre a complexa e maravilhosa figura de Leonardo da Vinci me falta tempo, espaço e competência. Quero apenas citar a apreciação do artista e crítico Giorgio Vasari (1511-1574) sobre o gênio florentino:
“De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu".
Ele, sim, pode ser considerado um “enviado” de Deus e não gente tosca, tipo Moisés ou Maomé!