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Pensar é preciso/XI/Albert Einstein: a teoria da relatividade

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Albert Einstein: a teoria da relatividade

“A ciência é a tentativa de fazer com que a diversidade caótica da nossa experiência sensível corresponda a um sistema lógico uniforme de pensamento”

A afirmação acima é de Albert Einstein (1879-1955), que levou até o campo das ciências a dúvida dos filósofos e a perplexidade dos artistas que inquietavam o espírito humano na primeira metade do século passado, negando qualquer forma de determinismo ou crença em verdades absolutas. Alemão, filho de judeus, educado num colégio católico, teve dificuldades na aprendizagem escolar e só de adulto revelou sua genialidade no domínio da matemática. Exerceu a humilde função de verificador de patentes no serviço público de Berna, até começar a publicar artigos revolucionários, que lhe fizerem merecer o Prêmio Nobel de Física, em 1921. Levou uma vida de viajante, estudando e ministrando palestras em várias cidades européias, até aceitar uma cátedra na Universidade de Princeton, naturalizando-se norte-americano, em 1940.

A expressão “tudo é relativo” tornou famoso Einstein, da mesma forma que outras frases imortalizaram outros autores: “Eppur si muove” (a terra gira), de Galileu; “o homem descende do macaco”, de Darwin; “Freud explica”, com referência ao complexo edipiano; “a religião é o ópio do povo”, de Marx. São as marcas da genialidade, as verdades essenciais, que os grandes homens deixaram para a posteridade. Não tenho competência para explicar cientificamente a teoria da relatividade, nem a conhecida fórmula E= mc², sendo E a energia, m a massa e c a velocidade da luz, e muito menos os princípios da física quântica que Einstein aprendeu de seu patriota Marx Planck. Limito-me a relevar que Einstein realizou uma revolução na concepção da categoria do Tempo, semelhante a que os cientistas renascentistas Copérnico e Galileu fizeram com relação ao Espaço. O Tempo não é visto mais como um valor absoluto, independente do Espaço, pois o cientista alemão demonstra que as duas categorias andam juntas.

O grande achado de Einstein foi ter colocado o observador dentro da ciência natural para funcionar como perspectiva ou ponto de vista. O tempo, assim, é calculado a partir da posição de quem vê. Isso já vinha sendo feito na ficção literária. As narrativas de “fluxo de consciência” de Proust, Joyce, Virginia Woolf, Clarice Lispector, influenciadas pelo Intuicionismo do filósofo francês Henri Bergson e seu conceito de tempo como durée (duração), exploram o tempo interior ou psicológico. Este não segue a cronologia dos acontecimentos, mas as livres associações de idéias e sentimentos do narrador, misturando o presente com a recordação do passado e a imaginação do futuro.

Para Einstein, também no mundo da física o tempo deixa de ser uma grandeza independente e objetiva para se tornar subjetiva, relativa ao observador. A imagem de uma estrela que dista anos-luz da terra não é a mesma daquela que chega ao telescópio do cientista, pois o modo de sua recepção é alterado pelo percurso realizado. Quer dizer, o observador vê a estrela como era “há pouco” e não como é “agora”. Vou dar um exemplo de fácil entendimento. Partindo do aeroporto de Auckland (Nova Zelândia), ao chegar a Buenos Aires (Argentina), via rota polar, olhando no meu relógio, pude perceber que chegara duas horas antes de ter saído de lá. E isso porque o vôo durou 12 horas, enquanto a diferença do fuso horário da Oceania é de 14 horas. Da mesma forma, uma pessoa que viaja muito de trem ou de avião tem a sensação de viver mais do que aquele que não sai de casa, pois a multiplicidade dos espaços visitados parece alterar a noção do tempo.

O princípio da relatividade está presente também no plano moral. Conforme sua etimologia, o morem (moral) latino, correspondente ao ethos (ética) grego, se refere a usos e costumes de povos ou grupos sociais, que variam no tempo e no espaço. O que é permitido agora e aqui pode ser proibido lá ou num outro tempo. Por exemplo, conforme a tradição de tribos de esquimós, que vivem a grande distância uma da outra, o dono da casa oferece ao visitante, além do teto e da comida, também a cama da esposa. E se ofende se o hospede não achar sua mulher atraente. Simplesmente, o esquimó oferece o que gostaria de receber, se estivesse na mesma situação do visitante. A hospitalidade é uma necessidade de sobrevivência, em lugares onde não há restaurantes, nem hotéis.

Mas a assertiva “tudo é relativo, inclusive a verdade” que se ouve por aí, pronunciada por aficionados entusiastas de Einstein, é verdadeira apenas em termos. Como toda a regra, ela tem exceções. Há realidades de ordem matemática, física, biológica, histórica ou até ética que não são relativas, mas absolutas, pois verificáveis e logicamente incontestáveis. Tomemos, por exemplo, o mandamento bíblico “não furtarás”. Como já tentei explicar anteriormente, ao falar de Moisés e de Kant, esta é uma exigência moral absoluta, válida em qualquer tempo e em qualquer lugar onde se vive em sociedade.

O respeito ao que é do outro é um “imperativo categórico”, na linguagem do filósofo Emanuel Kant, que constitui a base da vida em comunidade. Se não aceitarmos este princípio como verdadeiro e absoluto, teríamos de ir viver na selva e não numa aldeia e muito menos numa cidade civilizada. O homem voltaria a seu estado primitivo de animal selvagem, sendo regido pela lei do mais forte. De outro lado, um relativismo total, com valor absoluto, se negaria a si próprio, visto que a afirmação “tudo é relativo” é uma contradição em seus termos: se tudo é relativo, também a lei da relatividade deve ser considerada como relativa. Simples questão de lógica!

Einstein, além de ser um cientista genial, foi também um pensador brilhante, que participou dos problemas de sua época, assumindo posições sobre assuntos palpitantes, tais como o Estado de Israel, o repúdio ao nazismo, o regime soviético, a luta contra a proliferação de armas nucleares, a existência de Deus. A este respeito, recentemente veio a público uma carta inédita dirigida ao filósofo e amigo Eric Gutkind, datada de 1954, ano anterior a sua morte, em que Einstein considera qualquer prática religiosa como “infantil”, afirmando textualmente no seu manuscrito: “A palavra Deus é para mim nada mais do que expressão e produto da fraqueza humana”. Seu pensamento sobre religião aparece mais claramente numa entrevista concedida a jornalistas. Interrogado acerca de sua fé, ele responde:

“Eu não acredito em um Deus pessoal, e nunca neguei isso; ao contrário, o disse claramente. Assim, se há algo em mim que possa ser chamado de religioso é a ilimitada admiração pela estrutura do mundo na medida em que nossa ciência possa revelá-la... Eu não acredito na imortalidade do indivíduo, e considero que a ética é uma preocupação exclusivamente humana sem qualquer autoridade sobre-humana por trás dela” (in Christopher Hitchens, Deus não é grande, pág.249).

Tais declarações dão a impressão de contradizer algumas afirmações feitas anteriormente, quando, em plena atividade acadêmica, Einstein era obrigado a usar um discurso “politicamente correto”. Naquela época a confissão de ateísmo era algo de execrável. Ainda hoje, não causa estranhamento alguém se professar judeu, budista, evangélico, muçulmano, católico, espírita ou homossexual. Mas coitado do homem que afirmar publicamente ser ateu: é olhado como se fosse um leproso. Nossa sociedade admite apenas a liberdade da crença, não da descrença!