Peregrinaçam/LXIII
Como aquella braua tormenta acalmou de todo, Antonio de Faria ſe paſſou logo ao outro junco grande que tinha tomado a Coja Acem de que então era Capitão Pero da Sylua de Souſa, & dando a vella ſe partio com toda a mais cõpanhia que eraõ tres juncos & hũa lorcha ou lanteaa como lhe chamão os Chins, & foy ſurgir na angra de Nouday, para dahy ſaber nouas dos treze catiuos; & mãdou logo â boca da noite dous baloẽs eſquipados a eſpiar o porto, & ſondar o rio, & ver o ſurgidouro & o ſitio da terra, & que nauios eſtauão dentro, & outras couſas neceſſarias a ſua determinaçaõ, & mandoulhes que trabalhaſſem por tomarem algũs homẽs naturaes da cidade, para ſaber delles a certeza do que pretendia, & lhe darem nouas do que era feito dos Portugueſes, porque arreceaua que os tiueſſem ja leuados pela terra dentro. Os baloẽs ſe partiraõ logo, & às duas horas deſpois de meya meya noite chegarão a hũa aldea pequena que eſtaua na boca da barra na ponta de hũa calheta que ſe dezia Nipaſau, onde quiz noſſo Senhor que ſe negocearão tão bem, que antes que foſſe menham tornarão a bordo com hũa barca carregada de louça & canas de açucar que acharaõ ſurta no meyo do rio, na qual vinhaõ oito homẽs & duas molheres, & hum minino pequeno de ſeis ou ſete annos, os quais ſendo todos metidos no junco de Autonio de Faria, os ſegurou do medo que trazião, porque lhes parecia q̃ a todos os auião de matar, & começandoos a inquirir, nunca ja lhes puderaõ tirar outra palaura da boca, ſenão ſomente, Suqui hamidau niuanquao lapapoa dagatur, que quer dizer, não nos mates ſem razão, que te demandarà́ Deos noſſo ſangue, porque ſomos pobres, & cõ iſto chorauão & tremião de maneyra, que não podião pronunciar palaura nenhũa. Vendo então Antonio de Faria ſua miſeria & ſimplicidade, não os quiz por então mais importunar, mas diſsimulando com elles por hũ grande eſpaço, rogou a hũa molher China Chriſtam que ahy leuaua o Piloto, que os agaſalhaſſe, & os ſeguraſſe do medo que tinhaõ, paraque reſpõdeſſem a propoſito ao que lhes perguntaſſem, o que ella lhes fez com tantos afagos que em menos de hũa hora diſſeraõ à China que ſe o Capitaõ os deixaſſe yr liuremente naquella
no negocio, lhes diſſe quaſi agaſtado, eu, ſenhores, & irmãos meus, tenho prometido a Deos com juramento ſolenne de me não yr daquy ate não auer â mão eſtes pobres ſoldados & companheyros meus por qualquer via que ſeja; ainda que ſobre iſſo auenture mil vezes a vida, quanto mais com deſpezas de minha fazenda que eu eſtimarey muyto pouco, pelo que ſenhores vos peço a todos muyto, muyto, muyto por merce q̃ ninguem me contrarie iſto de que tanto pende minha honra, porque juro à caſa de noſſa Senhora de Nazarè, que qualquer que o contradiſſer, me terà por tanto ſeu inimigo, quanto eu entendo que o ſerà̃ de minha alma quem for cõtra iſſo. A que todos lhe reſponderaõ que o que ſua merce dezia, iſſo era o milhor & o mais acertado, & que para ſua conſciencia por nenhum caſo deixaſſe de o fazer aſsi, porque elles todos o acompanharião ate porem as vidas por iſſo; elle lho agradeceo então muyto, & os abraçou a todos co barrete na mão, & lagrimas nos olhos, & muyta corteſia nas palauras, & de nouo lhes tornou a certificar que pelo tempo em diante lhe ſatisfaria por obras o que então lhes prometia ſò com palauras, com que todos ficaraõ de todo conformes & muyto ſatisfeitos.