Peregrinaçam/XLII
A Quarta feira ſeguinte nos ſaimos logo deſte rio da varella por nome Tinaçoreu, & ao piloto pareceo bem yr demãdar Pullo Champeiloo, que he hũa ilha deſpouoada que eſtá na boca da enſeada da Cauchenchina, em quatorze graos & hum terço da banda do norte. E chegando a ella ancoramos em hũa angra de bom furgidouro, onde deſpois que eſtiuemos tres dias fazendonos preſtes, & pondo a artilharia no modo conueniente a noſſo propofito, nos partimos via da ilha de Ainão, parecendo a Antonio de Faria que ahy achaſſe o Coja Acem que andaua buſcando. E chegando à viſta do morro de Pullo Capás, que he a primeyra moſtra da ponta da ilha, não fez neſte dia mais que chegarſe bem á terra para diuiſar os rios & portos daquella coſta, & ver que entradas tinhão. E tanto que foy noite, porque a lorcha cm q̃ viera de Patane fazia muyta agoa, ordenou por parecer de todos os ſoldados, q̃ antes de bulir em outra nenhũa couſa ſe paſſaſſe a outra melhor embarcaçaõ, o que logo foy
da outra banda, porq̃ abalroaſſem ambos juntamente, & que ninguem deſparaſſe nenhum tiro de fogo, porque não ſentiſſem os juncos da armada que eſtauão dentro no rio o tom de artilharia, porque acudirião a ver o que era. Tanto que as noſſas embarcaçoẽs chegaraõ ao lugar onde eſtaua ſurto o jũco, elle foy logo abalroado ſem nenhũa detença, & ſaltando dentro vinte ſoldados ſe ſenhoreararão delle ſem contradição algũa, & a mòr parte da gente delle ſe lançou ao mar. Algũs dos inimigos que erão de mais animo, deſpois de tornarem em ſy, quiſeraõ fazer roſto aos noſſos, porem Antonio de Faria ſe lançou logo dentro muyto depreſſa com mais outros vinte ſoldados que tinha conſigo, & dando Santiago nelles, lhes derrubou mais de trinta, &os que ficaraõ viuos que ſe tinhão lançado ao mar, mandou que os tomaſſem, porque lhe eraõ neceſſarios para a eſquipaçaõ. E deſejando ſaber que gente era, & donde vinhão, mandou meter hũs quatro delles a tormento, dos quais os dous ſe deixarão morrer emperradamente, ſem quererem confeſſar nenhũa couſa. E tomando hum moço pequeno para lhe fazerem o meſmo, hum velho que jazia ahy deitado q̃ era ſeu pay, bradou rijo chorando que o ouuiſſem antes que fizeſſem mal aquelle moço, Antonio de Faria mandou então parar os miniſtros da execução, & lhe diſſe que diſſeſſe o que quiſeſſe, mas que foſſe verdade, porque ſe lhe mintiſſe, ſoubeſſe certo que a elle & ao filho auia de mandar lançar viuos ao mar, & ſe lhe fallaſſe verdade lhe prometia de os mandar pór a ambos em terra liuremente, cõ toda a fazenda que por ſeu juramẽto diſſeſſe que era ſua. A que o Mouro reſpondeo, aceito ſenhor eſſa promeſſa ſobre tua palaura, inda que eſte officio em que agora andas, não he muym conforme â ley Chriſtam q̃ no bautiſmo profeſſaſſe, de que Antonio de Faria ficou tão atalhado q̃ não ſoube q̃ lhe reſpondeſſe, & mandandoo chegar para junto de ſy o inquirio com brandura & afabilidade, & ſem nenhum ameaço.