Pesquisando/II/Bacon

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Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês contemporâneo do francês Descartes, é o outro pilar seiscentista da grande revolução operada no campo do pensamento reflexivo e da pesquisa científica, que fornece os fundamentos epistemológicos para uma nova teoria do conhecimento. Ele tem em comum com Descartes a luta contra o dogmatismo mental, ainda herança da cosmovisão medieval. Propõe, portanto, o livre exame da realidade física e psíquica em busca da verdade, sem as amarras de qualquer forma de preconceito, utilizando métodos de investigação objetivos que pudessem levar a resultados indiscutíveis, universalmente aceitos pela comunidade intelectual. A diferença está na não-aceitação das “ideias inatas”: Bacon, retomando o princípio aristotélico da “abstração”, afirma que as ideias se originam da experiência sensível,

“nada havendo no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”.

A mente humana é uma “tábua rasa” sobre a qual se imprimem os conceitos produzidos pelas sensações provenientes do mundo exterior. Se Descartes é o pai do racionalismo gnosiológico, Bacon é o fundador do empirismo científico, pelo qual a experiência sensível é a única fonte do conhecimento. Sua obra fundamental é o Novum Organum (Novo Órgão ou elementos de interpretação da natureza), publicado em 1620, como primeira parte de um trabalho maior: Instauratio Magna (A Grande Restauração), que não foi levado ao término. Organon é o nome de uma obra de Aristóteles sobre lógica, a ciência do pensamento enquanto indaga sobre a verdade. O texto baconiano inclui um prefácio e dois livros. Na introdução, o filósofo inglês critica quer os dogmáticos quer os cépticos, pois, para ele, é possível chegar a conhecimentos verdadeiros desde que se use um novo método de pesquisa, adequado à realidade objetiva. O ponto de partida é libertar-se dos preconceitos, que ele denomina ídolos, os quais dificultam a visão correta das leis da natureza.

Na primeira parte, ele expõe as quatro causas da estagnação filosófica e científica, que impedem o conhecimento da verdade e o progresso da ciência: (1) idola tribus, os enganos inerentes à própria espécie humana, composta de seres imperfeitos e contingentes; (2) idola specus, o engano do espelho, retomando a imagem da alegoria da caverna de Platão, próprio do ser individual que se deixa levar pelas aparências das coisas; (3) idola fori, o engano da linguagem, pelo uso da forma silogística e dos costumes sociais que não correspondem à verdade existencial; (4) idola theatri, o engano da fantasia, da imaginação, das escolas filosóficas e teológicas, da autoridade dos antigos. A lição mais profunda que se pode aprender da leitura do primeiro livro é que é preciso descobrir, estudar e seguir as leis imutáveis da realidade física, pois

“a única forma de dominar a natureza é obedecer-lhe”.

No segundo livro do Novum Organum, Bacon apresenta o funcionamento do novo método de pesquisa, baseado na indução: é preciso reunir todos os fatos nos quais um fenômeno se apresenta numa “tábua” ou mesa de presença e todos os fatos nos quais o fenômeno não aparece em outra mesa, a tábua da ausência, pelo critério analítico da eliminação. Numa terceira mesa, na tábua dos graus, são catalogadas as variações de intensidade dos fenômenos. Tal procedimento analítico nos dá um resultado apenas provisório, que deve ser submetido à experimentação, porque novos fatos podem induzir a conclusões diferentes. Em síntese, o método da pesquisa científica baseado na indução experimental, assim como formalizado por Bacon, apresenta as seguintes fases:

1) Observação do fenômeno;
2) Análise de seus elementos constitutivos, estabelecendo relações quantitativas e qualitativas entre eles;
3) Indução de hipóteses;
4) Verificação das hipóteses por meio do experimento;
5) Generalização do resultado formulando uma lei, se as hipóteses forem confirmadas.

Bacon expõe os princípios teóricos do método indutivo ou analítico, centrado na observação seguida da comprovação, largamente utilizado, na prática, pelos melhores cientistas de sua época: Galileu, Copérnico, Leonardo da Vinci, Newton. Deste último, já se tornou lendário o procedimento que o levou ao descobrimento da lei da gravitação universal e da atração terrestre: narra-se que, observando a queda do fruto da macieira, teria se perguntado por que a maçã cai em lugar de subir ou ficar parada no espaço. Realizou, em seguida, uma série de experiências, jogando objetos de diferentes pesos de várias alturas, chegando à confirmação da tese de que os corpos físicos mais densos caíam mais rapidamente ao solo por vencerem com maior facilidade o atrito do ar atmosférico.

O método baconiano tornou-se universal e absoluto em sua aplicação nas ciências naturais, indicando o caminho da verdade: a indução passou a suplantar o silogismo, o raciocínio substituiu a crença, a experimentação afugentou o princípio da autoridade divina ou humana. Este é o aspecto mais profícuo do Renascimento, que consagra a passagem da era medieval para a Idade Moderna. Apesar da oposição sistemática da Igreja Católica, absurdamente fechada em seu dogmatismo tradicional e cega a qualquer nova descoberta da ciência, o método de pesquisa, idealizado por Descartes, formalizado por Bacon e praticado pelos estudiosos das ciências exatas e biológicas, avançou ao longo de mais de dois séculos. Chegou ao apogeu na segunda metade do século XIX com o Positivismo, o Determinismo e o Evolucionismo, aspectos particulares do movimento geral do Materialismo, cuja missão principal era a luta contra o clericalismo retrógrado, propondo uma cultura laica, completamente desvinculada de qualquer forma de religiosidade.