Pesquisando/III/2 - Com o que fazer?

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2a Etapa: “Com o que fazer?” -- Busca do material: planejamento operacional

Uma vez acordado o tema da pesquisa entre orientador e orientando e traçado um plano provisório de trabalho, começa a segunda fase, que consiste na busca dos instrumentos necessários. O material a ser procurado e estudado, evidentemente, varia conforme a natureza do trabalho científico. Para as ciências humanas, em geral, as fontes principais são bibliográficas. A documentação pode provir de fontes de primeira mão (manuscritos, fac-símiles, edições originais ou críticas, entrevistas com autores, pesquisas de campo) ou de segunda mão (traduções, comentários de textos, antologias, dicionários, enciclopédias, histórias literárias ou artísticas, artigos de revistas, anotações de aulas ou palestras, consulta a sites de busca na Internet).

As bibliotecas públicas e privadas são os lugares mais frequentados por pesquisadores. As melhores já têm catálogos computadorizados, também com a possibilidade de consultas interbibliotecas, localizando o material desejado édito ou inédito (bancos de tese) em qualquer parte do Brasil ou até do exterior. A conexão com a internet pode propiciar uma ajuda relevante. Outros meios de coleta de informações são as buscas em livrarias, a participação em congressos científicos, as viagens aos lugares onde o tema a ser desenvolvido teve seu centro de irradiação. Chegamos, assim, à chamada pesquisa de campo, auxiliada pelos princípios da estatística, fundamental para alguns tipos de trabalho científico.

Nesta segunda fase, que poderia ser denominada heurística pela predominância da técnica da busca da documentação, o pesquisador deve alcançar o que, como vimos na etapa anterior, Salomon chama de “marco teórico da referência”, o contexto cultural da tese a ser desenvolvida. Como afirma outro estudioso de metodologia já citado, Severino (18, p. 32), “o homem é um ser culturalmente situado”. Qualquer estudante universitário, que queira não apenas obter um diploma, mas dedicar-se integralmente ao árduo trabalho do ensino e da pesquisa, deve procurar adquirir uma informação completa sobre a área específica de sua atuação e um conhecimento razoável das áreas afins, além de uma boa cultura geral. Evidentemente, tal saber não se adquire em pouco tempo, sendo o resultado de uma soma de informações armazenadas no espírito ao longo de muitos anos. A garantia do sucesso de um pesquisador é sua base cultural formada nos bancos escolares de bons ginásios, colégios e faculdades. Evidentemente, falhas de formação existem, mas podem e devem ser superadas. Aí é de fundamental importância o papel do orientador que deve exigir leituras complementares e a frequência de cursos de bom nível para suprir as deficiências culturais de seu pupilo, antes de iniciar o trabalho em profundidade de uma monografia.

A verdade é que o processo de aprendizagem procede do geral para o particular. Primeiro, é necessário consultar as obras de assuntos genéricos e depois, gradativamente, passar para a leitura de trabalhos específicos sobre o tema. Assim, por exemplo, no caso de estudos literários, se alguém quisesse fazer uma pesquisa científica sobre obras do escritor português Eça de Queirós, o procedimento deveria ser o seguinte: consultar, de início, enciclopédias, dicionários e histórias da Literatura Portuguesa que tratam do movimento realista e de seus pressupostos ideológicos (positivismo, determinismo, evolucionismo); a seguir, as obras do e sobre o autor; depois, tratados teóricos sobre análise e interpretação de textos, no caso, sobre teoria da narrativa, para conhecer em profundidade os elementos constitutivos do texto em prosa. Munido de toda essa bagagem de conhecimentos externos e internos da obra de arte literária, ele estará em condições de enfrentar o tema específico escolhido.

O grande problema do pesquisador, porém, reside no modo de armazenar o material coletado, que será usado mais tarde na redação do trabalho. Não podendo confiar na memória, ele deve ter o registro de tudo o que leu, ouviu, descobriu. Para tanto, faz-se necessário o uso de fichários. Pela nossa experiência pessoal, aconselhamos utilizar três tipos de fichas, que podem distinguir-se por cores ou tamanhos:

1. Fichário bibliográfico: é um arquivo onde devem ser guardadas as indicações exatas e completas das fontes a serem utilizadas na elaboração do trabalho científico. Trata-se do registro bibliográfico de livros, artigos de revistas, verbetes de dicionários, anotações de aulas, de participação em congressos, de monografias inéditas, etc. Este fichário é indispensável para compor a listagem em ordem alfabética da bibliografia geral, que será colocada no final do trabalho, conforme os ditames da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que analisaremos mais adiante. Cada trabalho encontrado sobre o assunto a ser estudado deve constar desse fichário bibliográfico com várias informações úteis: além da citação propriamente dita (nome do autor, da obra e do tradutor, local e data de publicação), deve conter a indicação de seu paradeiro: se já está em posse do pesquisador, se se encontra em tal biblioteca (registrar o número de “chamada”), se pertence ao orientador ou a outro docente, colega ou amigo, se pode ser encontrado em livrarias ou procurado em sebo, caso a edição esteja esgotada; se já foi lido no todo ou em parte ou se ainda não foi consultado. Esse fichamento é indispensável por vários motivos: além de servir para a composição da bibliografia final, registra as obras que ainda não foram consultadas e facilita a localização de livros, artigos e outro material já lido, mas a que, às vezes, é preciso voltar no decorrer da redação final do trabalho.
2. Fichário de leituras: deste segundo tipo de ficha deve constar o resumo de todas as obras lidas. Cada trabalho consultado deve ter uma ficha própria, em que conste o sumário do assunto. Aí podem ser feitas observações sobre os capítulos ou as passagens que interessam mais de perto ao tema da tese. Lembramos que cada obra, quer de ficção, quer de crítica, pode ser submetida a várias fases de leitura: lúdica, analítica, seletiva, interpretativa. Entretanto, a experiência nos ensina que, na maioria das vezes, falta o tempo necessário para ler várias vezes a mesma obra, por mais interessante que seja. Por isso, a prudência aconselha a registrar o máximo das informações necessárias desde a primeira leitura.
3. Fichário temático: são as fichas mais importantes e mais difíceis de serem compiladas. O tema de uma monografia vem dividido em vários tópicos ou motivos recorrentes. No plano provisório do trabalho científico, deve constar o elenco dos tópicos a serem investigados, como se fosse uma espécie de ementa de uma disciplina. Cada um desses subtemas precisa ter uma ficha própria ou mais fichas numeradas, em que deverão ser anotadas todas as referências encontradas ao longo das múltiplas leituras. Por exemplo, se alguém quisesse fazer uma monografia sobre “a concepção do amor na poesia de Cecília Meireles”, o fichamento temático deveria ser organizado de forma que abrangesse todos os aspectos do tratamento do amor encontráveis na totalidade dos poemas que tratam do amor idealizado, outra do amor carnal, outra do ciúme, outra do sentimento de abandono, etc. Outras fichas poderiam registrar as figuras de estilo de que a poetisa se utiliza para o tratamento do tema: metáforas, sinédoques, imagens espaciais ou temporais, etc. Evidentemente, ao longo da pesquisa, os tópicos inicialmente previstos podem sofrer alterações e ser ampliados, restringidos, substituídos, na dependência do material encontrado. É fundamental que os apontamentos colhidos venham sempre acompanhados, nas fichas, de sua localização precisa. Quer as transcrições diretas (trechos colocados entre aspas), quer as citações indiretas (trechos parafraseados), devem conter a indicação do nome da obra (que pode ser abreviado) e do número da página. Isso para não ter problema de citação, caso a passagem seja utilizada na redação final do trabalho.

Para economizar tempo, aconselhamos a fazer a operação com os três tipos de fichários concomitantemente. Assim, ao entrarmos em contato com um texto, seja ele de fonte primária ou secundária, em primeiro lugar devemos registrar no fichário bibliográfico a indicação exata de todos os elementos exigidos pela ABNT e sua localização. Depois, no fichário de leitura, colocaremos o sumário da obra e algumas observações eventuais. Enfim, no decorrer da leitura do texto, registraremos nas fichas temáticas as passagens que consideramos pertinentes ao assunto em estudo. As anotações no fichário temático devem ser exatas, pois muitas delas poderão ser utilizadas na redação do trabalho ou sob forma de citação direta, colocando entre aspas frases ou períodos de autores ou críticos, ou usando-se o discurso indireto, reproduzindo apenas ideias ou doutrinas. Em ambos os casos, é preciso sempre ter o registro correto da fonte, incluindo o número da página.

Ao falarmos em fichas, referimo-nos a um tipo de papel cartolina, de vários tamanhos e de diferentes cores, guardadas em gavetas apropriadas e dispostas em ordem alfabética. Embora tradicional, evidentemente esse não é o único meio de coleta e armazenagem do material de uma pesquisa. Hoje, com o espantoso progresso da informática, o sistema de fichas de papel vem sendo substituído por arquivos em microcomputadores. Esse avanço tecnológico oferece muitas vantagens, especialmente para quem domina bem o mecanismo da computação. Com a prática, cada pesquisador, dependendo do tipo de trabalho e da sua competência no manuseio de modernos recursos eletrônicos, encontrará o meio mais eficiente para levar a bom termo sua tarefa de coletar e ordenar o material.