Pesquisando/VI/A integração metodológica

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A integração metodológica

Ao concluirmos essa rápida e despretensiosa resenha das várias modalidades de abordagem do texto literário, convém insistir sobre a necessidade de integrar os vários métodos, cada qual ressaltando mais um aspecto da obra literária do que outro, pois não são entre si incompatíveis. Muitas vezes, trata-se apenas de uma questão de terminologia. Do ponto de vista metodológico são irrelevantes as distinções entre forma e estrutura, função e motivo, estilo e procedimento, tema e objetivo, fenômeno e objeto. Haja vista a aproximação que os autores da Retórica Geral fazem entre o esteta Benedetto Croce e o estruturalista Roland Barthes:

“A estética moderna esforçou-se exatamente por instaurar procedimentos de análise daquilo que Croce decretava não analisável. Isso não quer dizer que todas as posições outrora definidas por Croce, tão agressivamente, sejam hoje abandonadas. Deve-se mesmo verificar que sua tese fundamental, aprofundamento das ideias de F. De Sanctis,, segundo a qual a arte é forma e nada mais que forma (opondo forma à matéria e não ao conteúdo), é hoje mais nova do que nunca. Identificando a arte com a linguagem, Croce recusava todas as concepções linguísticas da arte como mensagem – concepções que reduzem a mensagem ao conteúdo – já que para ele, do ponto de vista estético, a mensagem é mensagem como tal. Estamos então autorizados a passar ousadamente de Benedetto Croce a Roland Barthes, do filósofo italiano ao neo-retórico francês, para quem “a literatura não é mais que uma linguagem, isto é, um sistema de signos: sua existência não está na mensagem, mas no sistema’” (29, p. 25).

Um exemplo concreto de integração de modelos de análise é fornecido pelo excelente trabalho de M. Bakhtine (23). Ligado ao formalismo russo, mas trabalhando com muita autonomia, para descobrir o priom artístico da obra de Dostoievski, pesquisa as fontes mais antigas da literatura ocidental, encontrando na sátira do grego Menipo a forma dialógica que caracteriza a ficção dostoievskiana. Salienta, assim, o princípio dicotômico verificável pela análise contrastiva entre obras literárias enformadas pela percepção monológica da verdade (textos literários de caráter idealístico) e obras dialógicas, imbuída do espírito carnavalesco e de teor realístico. O polimorfismo é visto como constituinte específico da estrutura poética da ficção do romancista russo. Por meio de uma análise minuciosa e exaustiva das obras, Bakhtine salienta as formas estéticas de Fiodor Dostoievski, relacionado-as com a série literária a que estão ligadas (as obras de caráter dialógico) e, por sua vez, relaciona a série literária com a linha cultural (a percepção carnavalesca do mundo). Detecta, assim, um tipo específico de concepção da vida que possibilita a produção de certas formas artísticas. Encontramos, então, num único trabalho, o recurso – consciente ou inconscientemente, pouco importa – a várias modalidades de crítica: formal-estruturalista, genético-literária, temático-arquetípica, psicossociológica.

Essa simbiose, além de ser possível, é indispensável, se se quiser fazer crítica eficiente e integral. David Daiches compara o crítico literário, que se sirva de um único enfoque e que não seja dotado de uma técnica de sugestão, a um crítico musical que for somente técnico em acústica, e conclui sua obra com as seguintes palavras:

“Todos os críticos literários eficientes enxergam alguma faceta da arte literária e desenvolvem nossa consciência a seu respeito. Mas a visão total, ou até mesmo algo que se aproxime dessa visão, só advém àqueles que aprenderam a combinar as modalidades de compreensão proporcionadas por inúmeros critérios críticos” (29, p. 381).

Tal pensamento é comungado por Roman Jakobson, quando, ao encerrar sua famosa conferência sobre a estreita relação entre linguística e poética, afirma::

“Todos nós que aqui estamos, todavia, compreendemos definitivamente que um linguista surdo à função poética da linguagem e um especialista de literatura indiferente aos problemas linguísticos e ignorante dos métodos linguísticos são, um e outro, flagrantes anacronismos” (34, p. 62).

Em verdade, se o objeto da crítica (o texto literário) é, por sua própria natureza, poliédrico e polissêmico, não poderia ser analisado e compreendido em sua integridade por um sujeito (o crítico) que não conheça uma variedade de métodos de abordagem e não tenha uma relevante erudição. Além disso, muitas e variadas são as formas artísticas que solicitam a atividade crítica. É impossível encontrar uma fórmula ou um modelo que sirva, com a mesma eficácia, para a análise e a interpretação quer de um poema, quer de um romance, de um conto popular como de uma epopeia, de uma poesia lírica ou de uma peça dramática. O modelo de análise proposto por V. Propp para o estudo do conto folclórico não pode ser aplicado para a interpretação de uma narrativa de introspecção psicológica, assim como a abordagem linguística a que R. Jakobson (35) submete o poema Ulysses não teria o mesmo resultado se aplicada a outro poema de Fernando Pessoa desprovido de esquema rímico e estrófico. Serviremo-nos desse texto poético, ampliando a análise feita pelo estudioso russo, como exemplo prático de integração metodológica.